Mementum dos Mortos

Alexandre Martins, cm.




O termo “mementum dos mortos” (momento dos mortos) é o nome da parte da Liturgia Eucarística onde são lembrados os que já faleceram. Situa-se após a Consagração, antes do Rito da Comunhão.
Desde o século I os cristãos rezam pelos falecidos. Costumavam visitar os túmulos dos mártires nas catacumbas e para rezar pelos que morreram sem martírio. Os primeiros vestígios de uma comemoração coletiva de todos os fiéis defuntos são encontrados em Sevilha (Espanha), no séc. VII, e em Fulda (Alemanha) no séc. IX. No século IV encontramos a Memória dos Mortos na Celebração Eucarística. Mas desde o século V a Igreja dedica um dia por ano para rezar por todos os mortos, pelos que ninguém rezava e dos que ninguém se lembrava. Desde o século XI, os Papas Silvestre II (1009), João XVIII (1009) e Leão IX (1015) decretam que se dedique um dia por ano a estas orações. Desde o século XIII, esse dia anual por todos os mortos é comemorado no dia 2 de novembro, porque no dia 1º de novembro é a festa de "Todos os Santos". O Dia de Todos os Santos celebra todos os que morreram em estado de graça e não foram canonizados. O Dia de Todos os Mortos celebra todos os que morreram e não são lembrados na oração.1 O dia 2 celebra todos os que morreram não estando em estado de Graça total, mais precisamente os que se encontram em estado de purificação de suas faltas e, assim, necessitam de nossas orações.
O fundador da festa é Santo Odilon, abade do antigo Mosteiro de Cluny (França), que a introduziu em todos os mosteiros sob sua jurisdição entre 1000 e 1009. Na Itália, a celebração já era encontrada no fim do século XII e, em Roma, no início do ano de 1300.
Neste dia a Igreja especialmente autoriza cada sacerdote a celebrar três Missas (trinar) especiais pelos fiéis defuntos. Essa prática remonta a 1915, pelo Papa Bento XV que julgou oportuno estender a toda Igreja esse privilégio que já tinham Espanha, Portugal e a América Latina desde o séc. XVIII.
É digna de nota a exclamação de s. Pedro Claver quando de um funeral: “Uma tal morte é mais digna de nossa inveja do que de nossas lágrimas. Essa alma foi condenada a apenas vinte e quatro horas de Purgatório; procuremos abreviar sua pena pelo ardor de nossas preces”.2

A Tradição Apostólica


A esposa roga pela alma de seu esposo e pede para ele refrigério, e que volte a reunir-se com ele na ressurreição; oferece sufrágio todos os dias aniversários de sua morte.3 Durante a morte e o sepultamento de um fiel, este fora beneficiado com a oração do sacerdote da Igreja.4
Tertuliano (†220) – Bispo de Cartago, África

São Cipriano (†258), Bispo de Cartago, refere-se à oferta do Sacrifício Eucarístico em sufrágio dos defuntos como costume recebido da herança dos seus antecessores bispos (cf. epist. 1,2). Nas suas epístolas é comum encontrar a expressão: “oferecer o sacrifício por alguém ou por ocasião dos funerais de alguém”. Falando da vida de Cartago, no século III, afirma Vacandart, sobre a vida religiosa: “Aí vemos o clero e os fiéis a cercar o altar [...] ouvimos os nomes dos defuntos lidos pelo diácono e o pedido de que o bispo ore por esses fiéis falecidos; vemos os cristãos [...] voltar para casa reconfortados pela mensagem de que o irmão falecido repousa na unidade da Igreja e na paz do Cristo”.5

No que concerne a certas faltas leves, deve-se crer que existe antes do juízo um fogo purificador, segundo o que afirma Aquele que é a Verdade, dizendo que se alguém tiver cometido uma blasfêmia contra o Espírito Santo, não lhe será perdoada nem no presente século nem no século futuro (cf. Mt 12,31). Dessa afirmação podemos deduzir que certas faltas podem ser perdoadas no século presente, ao passo que outras, no século futuro6
São Gregório Magno (540-604), Papa e Doutor da Igreja

Levemos-lhe socorro e celebremos a sua memória. Se os filhos de Jó foram purificados pelos sacrifícios de seu pai (Jó 1,5), porque duvidar que as nossas oferendas em favor dos mortos lhes leva alguma consolação? Não hesitemos em socorrer os que partiram e em oferecer as nossas orações por eles” (Hom. 1Cor 41,15). E “Os Apóstolos instituíram a oração pelos mortos e esta lhes presta grande auxílio e real utilidade”.7
São João Crisóstomo (349-407), Bispo e Doutor da Igreja

Enfim, também rezamos pelos santos padres e bispos e defuntos e por todos em geral que entre nós viveram; crendo que este será o maior auxílio para aquelas almas, por quem se reza, enquanto jaz diante de nós a santa e tremenda vítima. (…) Da mesma forma, rezando nós a Deus pelos defuntos, ainda que pecadores, não lhe tecemos uma coroa, mas apresentamos Cristo morto pelos nossos pecados, procurando merecer e alcançar propiação junto a Deus clemente, tanto por eles como por nós mesmos.(...) Em seguida [na oração Eucarística], mencionamos os que já dormiram: primeiro os patriarcas, profetas, apóstolos, mártires, para que Deus em virtude de suas preces e intercessões, receba nossa oração. Depois, rezamos pelos nossos santos pais e bispos falecidos, e em geral por todos os que já dormiram antes de nós. Acreditamos que esta oração aproveitará sumamente às almas pelas quais é feita, enquanto repousa sobre o altar a santa e temível vítima. (…) Quero, neste ponto, convencer-vos por um exemplo. Sei que muitos dizem: “Que aproveita à alma que passou deste mundo, em pecado ou sem ele, se a recordo na oferenda?” Se um rei, porventura, banir cidadãos subversivos, mas depois os súditos fiéis tecem uma coroa e a oferecem ao rei pelos que estão cumprindo pena, não é certo que lhes concederá o perdão do castigo? Da mesma forma, nós, oferecendo a Deus preces pelos mortos, sejam ou não pecadores, oferecemos, não coroa tecida por nossas mãos, mas Cristo crucificado por nossos pecados; assim, tornamos propício o Deus amigo dos homens aos pecados nossos e deles”.8
São Cirilo, Bispo de Jerusalém (†386)

Sobre o rito de ler os nomes dos defuntos (no sacrifício) perguntamos: que há de mais nisso? Que há de mais conveniente, de mais proveitoso e mais admirável que todos os presentes creiam viverem ainda os defuntos, não deixarem de existir, e sim existirem ao lado do Senhor? Com isso se professa uma doutrina piedosa: os que oram por seus irmãos defuntos abrigam a esperança (de que vivem), como se apenas casualmente estivessem longe. E sua oração ajuda aos defuntos, mesmo se por elas não fiquem apagadas todas as dívidas [...]. A Igreja deve guardar este costume, recebido como tradição dos Pais [...] a nossa Mãe, a Igreja, nos legou preceitos, os quais são indissolúveis e definitivos. 9
Santo Epifânio (†403), Bispo da ilha de Chipre, Grécia

Os “Cânones de Santo Hipólito (160-235)”, que se referem à Liturgia do século III, contêm uma rubrica sobre os mortos [...] “[...] Caso se faça memória em favor daqueles que faleceram [...]”10
Serapião de Thmuis (século IV), Bispo, no Egito, compôs uma coletânea litúrgica, na qual se pode ver a intercessão pelos irmãos falecidos: “Por todos os defuntos dos quais fazemos comemoração, assim oramos: “Santifica essas almas, pois Tu as conheces todas; santifica todas aquelas que dormem no Senhor; coloca-as em meio às santas Potestades (anjos); dá-lhes lugar e permanência em teu reino. Nós te suplicamos pelo repouso da alma de teu servo (ou de tua serva); dá paz a seu espírito em lugar verdejante e aprazível, e ressuscita o seu corpo no dia que determinaste”.”11
As Constituições Apostólicas, do fim do século IV, redigidas com base em documentos bem mais antigos, no livro VIII da coleção, relata: “Oremos pelo repouso de (...), a fim de que o Deus bom, recebendo a sua alma, lhe perdoe todas as faltas voluntárias e, por sua misericórdia, lhe dê o consórcio das almas santas”.

Uma nomenclatura confusa




Contudo, o feriado de Finados, embora originado do cristianismo, foi nomeado de forma diversa à real celebração cristã. Na realidade, o Cristianismo celebra a lembrança dos fiéis defuntos e não o dia de finados. Podemos notar que há uma diferença relevante. A palavra finado significa, em sua origem, aquele que se finou, ou seja, que teve seu fim, que se acabou, que foi extinto. A palavra defunto, no latim, é o particípio passado do verbo defungor, que significa satisfazer completamente, desempenhar a contento, cumprir inteiramente uma missão. Mais tarde, foi utilizada e difundida pelo Cristianismo, para dizer que uma pessoa morta era aquela que já havia cumprido toda a sua missão de viver.
O Dia dos Fiéis Defuntos, portanto, é o dia em que a Igreja celebra o cumprimento da missão das pessoas queridas que já faleceram, através da elevação de preces a Deus por seu descanso junto a Ele. É o Dia do Amor, porque amar é sentir que o outro não morrerá nunca, mesmo que esteja distante; amar é saber que o outro necessita de nossos cuidados e de nossas preces mesmo quando já não o podemos ver. Pois a vida cristã é viver em comunhão íntima com Deus e com os irmãos, agora e para sempre.

Indulgências

Aos que visitarem o cemitério e rezarem, mesmo só mentalmente, pelos defuntos, concede-se uma Indulgência Plenária só aplicável aos defuntos: diariamente, do dia 1º ao dia 8 de novembro, nas condições costumeiras, isto é, confissão sacramental, comunhão eucarística e oração nas intenções do Sumo Pontífice; nos restantes dias do ano, Indulgência Parcial.12
Ainda neste dia, em todas as igrejas, oratórios públicos ou semi-públicos, igualmente lucra-se uma Indulgência Plenária, só aplicável aos defuntos; a obra que se prescreve é a piedosa visitação à igreja, durante a qual se deve rezar... o Pai-nosso e Credo..., confissão sacramental, comunhão eucarística e oração na intenção do Sumo Pontífice (que pode ser um Pai-nosso e Ave-Maria, ou qualquer outra oração conforme inspirar a piedade e devoção).13
Para uma alma:
1 – Confessar-se bem, rejeitando todo pecado;
2 – Participar da Santa Missa e comungar com esta intenção;
3 – Rezar pelo Papa ao menos um Pai Nosso, Ave Maria e Glória e
4 – Visitar o cemitério e rezar pelo falecido.

Uma tradição nas Congregações Marianas


Indica Antonio Maia14 que uma das obras de apostolado das primeiras Congregações Marianas era visitar o túmulo dos mártires de Roma. Era feito após as reuniões, onde os Congregados saíam em grupos, uns para visitar doentes e enfermos e outros para rezar no túmulo dos falecidos.
“Rezar pelos mortos” é uma Obra de Misericórdia espiritual, acrescida de Indulgências, plenárias e parciais, bem como enterrá-los.
Há Congregações Marianas que fizeram até mesmo rituais especiais para seus Congregados, com a deposição da bandeira sobre o caixão, e mesmo do corpo do falecido levar a fita azul .
Tradicionalmente, é costume no dia de Finados os membros das Congregações Marianas visitarem um cemitério, individual ou coletivamente, e aí participarem da Santa Missa celebrada, comungando e rezando pelos fiéis falecidos. Quando há orações em conjunto no Cemitério, os Congregados são os primeiros a organizá-las e participarem ativamente delas.

Algumas práticas costumeiras da Cultura brasileira


Evite festas, música alta, bebidas. Dedique o dia à oração e ao recolhimento.
Não incorra no costume judaico de lavar-se ao voltar do Cemitério ou lavar as roupas que usar na ocasião.
Não entre pela porta de trás da casa. É superstição.
O uso de velas para orações é tradicional e não somente neste dia. Podem ser acesas velas mesmo no Cemitério.
Quando de uma Procissão Fúnebre, esteja em posição de respeito e reze pela alma do que passar.

O Testemunho de alguns dos Santos Congregados


Nunca tivemos medo da morte.” (bem-aventurado Edmundo Campeão)

A pedido dos amigos viajou a Lourdes para pedir sua cura. Lá, ofereceu sua vida pela sua família e por seus amigos.( bem-aventurado Enrique Shaw)

Na hora da morte o maior consolo vosso e meu será o pensamento de haver cumprido a santíssima vontade de Deus...” (bem-aventurado José Maria Rúbio, SJ)


Que a meditação no dia dos Fiéis Falecidos nos mostre a brevidade da vida e a certeza de estarmos junto de nossa Rainha, a mesma que nos abrirá as Portas do Céu para a esperada visão beatífica do Criador.



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1 - Mons. Arnaldo Beltrami – vigário episcopal de comunicação - http://www.arquidiocese-sp.org.br
2- Martins, A. in “Marianos Santos”. São Pedro Claver, o “Apóstolo dos Negros”, era Congregado mariano.
3- De monogamia, 10
4- De anima, 51
5- Revista Pergunte e Responderemos, nº 264, ed. Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1982, pag. 50 e 51
6- dial. 4, 39
7- “In Philipp”. III 4, PG 62, 204.
8- Catequeses. Mistagógicas. 5, 9, 10, Ed. Vozes, Petrópolis,, 1977, pg. 38.
9- “Haer”. 75, c. 8: pág. 42, 514s.
10- “Canones Hippoliti, em Monumenta Ecclesiae Liturgica; PR”, 264, 1982.
11- “Journal of Theological Studies” t. 1, p. 106; PR , 264, 1982.
12- Enchiridion Indulgentiarum, nº 13).
13- Diretório Litúrgico da CNBB, pág. 462
14- in “Breve História das CCMM”, col. Estrela do Mar, Rio de Janeiro, 1958.

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