A Tentação do Estudo


Alexandre Martins, cm.


É infelizmente bem comum hoje em dia que um jovem deixe a reunião da Congregação Mariana por estar se preparando para uma prova ou seleção muito importante. O que poderia parecer algo sem muita importância é, na realidade, uma maligna tentação para os jovens Congregados.

O Programa de Vida de um Congregado

Muitos sentem um tipo de orgulho em preterir a Congregação Mariana e até mesmo os deveres religiosos – mesmo a Santa Missa – por estarem se preparando para as provas, sejam para a faculdade, concurso ou mesmo o ensino médio. Esse orgulho - leia-se “vaidade” - em não se considerarem no mesmo lado daqueles que deixam de estudar em casa por estarem envolvidos em atividades pastorais. Mas ambos estão errados. Falaremos aqui dos que se dedicam exageradamente aos estudos e deixaremos os relapsos carolas para falar em outra ocasião.
As Congregações Marianas sempre foram famosas por agruparem jovens estudiosos e responsáveis. Os melhores alunos das escolas eram os membros das Congregações Marianas e não os piores alunos. Por isso há tantos Congregados marianos famosos, cientistas, estadistas e etc.
Então, como os jovens que são estudantes dedicados deixaram de participar das Congregações Marianas?
Há vários motivos, e um deles é uma má compreensão da organização do dia do jovem Congregado, o que se chama “Programa de Vida”.
Organizar o dia, medir as horas, aproveitar o tempo: é o segredo do sucesso de todo o profissional. As Congregações Marianas colegiais sempre insistiram na necessidade do jovem Congregado possuir uma disciplina em seu tempo. Mas essa disciplina não era somente para o horário de estudo, senão para todas as atividades do seu dia. Era como uma “dieta” que deveria ser seguida. As orações diárias, as devoções e atos de piedade, as ações de caridade e ,claro, os estudos, eram fielmente colocadas em um horário e seguidas com dedicação. Essa disciplina de herança jesuíta sempre teve sucesso. Eis o Programa de Vida do Congregado mariano.

Os 5 pontos da Tentação

Em meados do seculo XX cresceu na Sociedade um relaxamento em todas as práticas diárias. A Escola, por influencia de pensadores como Foucault e Paulo Freire, se tornou muito lasciva e as antigas práticas rígidas ficaram restritas às escolas militares. Esse relaxamento da sociedade atingiu a Igreja através dos leigos. As devoções populares, antes tão fervorosas, foram aos poucos esmorecendo e se transformando apenas em manifestações culturais.
Nas associações de leigos a mudança foi drástica: as reuniões tornaram-se bem descompromissadas e assemelhadas a um bate papo entre amigos num bar. E esse é um dos motivos que o jovem deixa os compromissos com a a associação pra ficar em casa estudando...
Há pontos que devemos avaliar nessa preferencia pelos estudos e que constituem propriamente a “tentação”:
1 – A indisciplina anterior pessoal que culminou na urgência em estudar mais nas vésperas dos exames.
2 – Acreditar que o excesso de horas de estudo ira mudar o resultado final.
3 – Desprezar ou não entender a forma de avaliação de muitas provas.
4 – Deseprezar os deveres religiosos em nome de uma suposta “responsabilidade” humana.
5 – A confiança apenas no próprio esforço e não tanto no auxilio de Deus.

O primeiro ponto indica que o estudante deixou tudo para a ultima hora. É o famoso caso dos que creditam seu sucesso a trabalhar sob pressão. Mas se o profissional de sucesso é aquele que sabe trabalhar sob pressão, ao mesmo tempo é aquele que não precisa de pressão para fazer um bom trabalho.
É o costume diário que fará a nossa mente ir compreendendo toda a ciência e não fórmulas milagrosas que nos fará ler – e aprender – um livro de 500 paginas em 30 minutos. Sabe-se que grandes descobertas astronômicas foram conseguidas após incontáveis horas ao telescópio, dia após dia. Todos os professores são unanimes em afirmar que o sucesso nos estudos provem de horas diárias de leitura e exercícios. Para isso, devemos voltar ao Programa de vida dos Congregados, com sua hora para tudo, tanto estudos quanto piedade.

O segundo ponto é a perversão do primeiro. Não há método de leitura dinâmica que supere a leitura periódica e constante da bibliografia. Do mesmo modo que, na futura vida profissional, não serão as noites sem dormir que farão o trabalho ter sucesso e dar lucro.

O terceiro ponto é um problema que acomete muitas instituições. Há o que popularmente se chamam “panelas”, ou seja, grupos fechados de pessoas com interesses comuns que monopolizam locais de trabalho. Se alguém estranho ao círculo de amizades dessas pessoas deseja ocupar algum cargo ou vaga ocupados por eles sofrerá algum tipo de dificuldade ou impedimento. Por isso alguns jovens tem fácil acesso a cursos de mestrado ou doutorado e outros, por vezes mais capazes, tem reprovação. Isso é tão comum em algumas áreas que jovens advogados procuram entrar em grupos como a Maçonaria imaginando que terão mais facilidade em admissão a cargos. Pode causar um certo pessimismo ou desânimo para alguns, mas o certo é que as avaliações de muitos lugares não veem mérito ou brilhantismo mas somente “apadrinhamento”. Quanto a essa distorção de valores nada a se fazer senão desprezar esses exames e focar em outros mais legítimos. Por mais que Congregados marianos se auxiliem mutuamente não há nada de ilegítimo ou favoritismo nisso. Então, não é porque seu avaliador é Congregado como você que irá ser injusto com outros e lhe dar a preferência.

No quarto ponto talvez encontremos a real tentação que o jovem católico tenha enquanto procura o sucesso futuro de sua vida. Por uma má compreensão do ditado popular - “primeiro a obrigação, depois a devoção” - ele entende que as devoções religiosas vêm em segundo lugar na vida, e as obrigações do estudo ou trabalho em primeiro lugar.
Isso é contra o que as Congregações Marianas sempre ensinaram aos seus congregados, pois uma imensa lista de intelectuais e cientistas dá testemunho que os deveres religiosos sempre caminharam lado a lado com os compromissos profissionais. Seria como uma corrente de elos coloridos: sem um deles, não há força. As Academias1 foram criadas pelas Congregações Marianas para nelas fomentar e explicar essa junção “fé e vida” aos Congregados. Nunca antes na história da Igreja uma associação de fiéis teve esse tipo de preocupação. Se hoje temos Congregados marianos que não professam esse ordenamento de vida talvez seja por não existirem mais Academias ou seções semelhantes dentro das Congregações Marianas.

O quinto e último ponto pode parecer um tipo de loucura ou manifestação de alguma beatice. Entretanto é a a ação concreta do que nos ensina2 s. Inácio de Loyola: “fazer, como se tudo dependesse de nós mesmos; esperar, como se tudo dependesse de Deus”.
Essa máxima nos dá a solução para alguns problemas.
Devemos fazer, arquitetar, planejar, executar, com todo o afinco que possamos. Devemos usar de todos os meios lícitos para alcançarmos nosso objetivo profissional. Devemos usar dos momentos dedicados ao trabalho para que os minutos tenham seus frutos.
Mas não devemos esquecer da máxima3 que “o homem põe e Deus dispõe”. Não adianta o trabalho sem a ajuda de Deus. Mas não fazer uma barganha do tipo “toma lá, dá cá”, na qual a quantidade de orações será revertida em dinheiro e prestigio. Devemos por justiça nos colocar nas mãos de Deus e ter a plena consciência de que nossas vida e tudo o que nela está é dirigida por Deus.

Corolário de exemplos

Exemplos não faltam, mesmo nas Congregações Marianas. O empresário Otávio Piva de Albuquerque, grande comerciante de vinhos no Brasil, trabalhou duro para que chegasse ao patamar de sucesso, distribuindo grande e famosas marcas de vinho no Brasil, praticamente criando um mercado consumidor inexistente por aqui. Em seu testemunho4 de sucesso afirma sua dedicação à oração e à Missa diária, com um bom Congregado mariano que é. “Católico fervorosíssimo, devoto de Nossa Senhora, Piva integra a Coordenação das CCMM de São Paulo, faz retiro, reza diariamente, vai com a família à missa aos domingos e todo sábado visita necessitados. A religião afeta inclusive os negócios. Por causa do nome e da imagem no rótulo, Piva recusa-se a importar o vinho Casillero del Diablo, um dos únicos da Concha y Toro que não representa.”
A leitura das biografias de grandes cientistas nos mostraram que muitos tiveram seus sucesso sem descurar de seus deveres religiosos.
Como diz Mário5 Saturno: “Grandes nomes foram formados nas fileiras das Congregações Marianas, como o arqueólogo Joest Léps (1547), o cientista e matemático francês René Descartes (1596), o pioneiro cirurgião francês José Cláudio Antelmo Récamier (1774), o britânico inventor do estetoscópio Renato Teófilo Jacinto Laennec (1781), o matemático francês Barão de Cauchy (1789), o cientista italiano Alexandre Volta (1745) homenageado na unidade de medida de tensão elétrica "volt", o astrônomo alemão Eduardo Heis (1806) e muitos outros.”

Professores universitários como Tolkien6 iam à Missa diariamente e ainda tinham tempo para serem grandes escritores: “...tendo influenciado C.S. Lewis a deixar o ateísmo e se converter ao cristianismo (…) Tolkien frequentava sempre a missa e após a comunhão rigorosamente se confessava com o padre da paróquia.”7

Uma sinistra pedagogia

Com todos esses dados já citados, por que ainda se insiste que o jovem católico está correto em abandonar tudo pelo estudo? A resposta é terrível: por que é o início de seu afastamento das coisas de Deus.
É o início de uma sutil e constante mudança de paradigma; e nessa nova mentalidade se imagina que o sucesso profissional provém do esforço pessoal e que Deus nada tem a ver com isso, ou pior, até pode atrapalhar! Os jovens católicos são aos poucos afastados do ambiente religioso para ficar à mercê dos ambientes mundanos do trabalho ou dos ambientes ideológicos das universidades. É como deixar o ambiente de nossa família para somente conviver com as pessoas de má índole. Isso não é a forma de agir do verdadeiro jovem Congregado mariano. “Quem ama o perigo nele perecerá.” (Eclo 3, 27).
Se temos uma família piedosa, amorosa e unida, que nos dá a orientação, o ânimo e o suporte necessário, e por mais que andemos em ambientes ruins, as chances de nos afetarem negativamente são muito poucas. Assim é quando o jovem Congregado está frequente em sua Congregação mariana. 

Conclusão

O mundo do seculo XXI nos questiona em todos os aspectos de nossa vida. Não para nos arguir, mas para nos fazer cair. É um mundo tecnicista, hedonista, consumista e ideologizado. Se não tivermos a salutar orientação de Igreja por meio da Congregação Mariana facilmente iremos nos perder.
Diz8 o Santo Padre Francisco: “a cultura do nosso tempo tem fome do anúncio do Evangelho, precisa de ser reanimada por testemunhos fortes e firmes. Face aos riscos da superficialidade, da pressa, do relativismo, podemos esquecer-nos do compromisso de pensamento e de formação, de espírito crítico e de presença que foi confiado ao homem, só ao homem, e que está inscrito na sua dignidade de pessoa. Recordai-vos das palavras de Montini: ‘É a ideia que guia o homem, que gera a força do homem. Um homem sem ideias é um homem sem personalidade’. Sabei conciliar a primazia da realidade com a força das ideias que tiverdes pesquisado.”

Roguemos à Virgem, Sede da Sabedoria, que nos oriente a fazer nossos estudos e trabalhos para maior glória de Deus.



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1- “círculos de estudo que os ajudem a crescer no campo doutrinário, cultural e profissional, os levem à discussão de temas religiosos, científicos e literários, artísticos, políticos e econômicos, dentro de uma visão cesta da pessoa humana e do mundo da cultura” - Regra de Vida 32
2- cf. Petrus de Ribadeneyra, Tractatus de modo gubernandi sancti Ignatii, c. 6, 14: MHSI 85, 631.
3- a frase original é : “O homem propõe, Deus dispõe.” - Tomás de Kempis, in “Imitação de Cristo”, 1.19.9
4- disponível em http://chefadilsonsoares.blogspot.com.br/2013/08/otavio-viu-o-vinho-como-o-maior.html
5- astrônomo, Tecnologista Sênior no INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
6- John Ronald Reuel Tolkien, conhecido internacionalmente por J. R. R. Tolkien ( África do Sul, 3/1/1892 — Inglaterra, 2/9/1973), foi um premiado escritor, professor universitário e filólogo britânico, que recebeu o título de doutor em Letras e Filologia pela Universidade de Liège e Dublin (1954) e autor das obras como O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion. Em 28/3/1972 Tolkien foi nomeado Comandante da Ordem do Império Britânico pela Rainha Elizabeth II.
7- disponível em http://tolkienbrasil.com/noticias/diversas/grupo-catolicos-quer-tornar-j-r-r-tolkien-santo-igreja/

8- Mensagem à FUCI, Federação Universitária Católica Italiana, no congresso extraordinário organizado em Arezzo em 16 de Outubro de 2014.

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