Turris Eburnea
Alexandre Martins, cm
Na tradição judaico-cristã, a expressão “Torre de Marfim” é um símbolo de nobre pureza.
Originou-se no livro do Cântico dos Cânticos (capítulo 7,4) - "Seu pescoço é como uma torre de marfim" - e foi acrescentado aos epítetos da Virgem Maria na Ladainha Lauretana1 do século XVI (torre de marfim, em latim: Turris eburnea). Trata-se de um texto atribuído ao Rei Salomão. Grandes místicos cristãos, como São João da Cruz, utilizaram muito estes versículos como uma forma de experimentar de maneira profunda os mistérios do amor de Deus.
A torre era importante nas antigas cidades protegidas por muralhas. Na época do Rei Salomão poucas coisas eram tão belas e imponentes quanto uma torre.
O poema diz que o pescoço de sua amada se parece com uma “Torre de Marfim”. No primeiro livro de Reis, no capítulo 10, na visita da Rainha de Sabá ao Rei Salomão, ela ficou impressionada com a sabedoria e riqueza do grande rei de Israel e o presenteou com grande quantidade de perfumes e pedras preciosas. O rei, por sua vez, como panda o protocolo, deu grande número de presentes à rainha visitante.
Neste mesmo capítulo, ao descrever as riquezas e o poder de Salomão, diz que ele “mandou fazer um grande trono de marfim, revestido de ouro fino” (1Rs 10,18). Marfim e ouro são o que poderia haver de mais rico e belo para fazer jus ao poder de Salomão.
Ao dizer de modo comparativo em seu poema, que a amada se parece com uma Torre de Marfim, temos aqui um exemplo de exagero poético. Ninguém, por mais rico e poderoso que fosse, poderia fazer uma torre inteira de marfim… nem mesmo Salomão. Parece que a Escritura nos mostra que o amor tem muito mais valor do que as riquezas desta terra. O trono de marfim e ouro é quase nada diante de alguém que se quer bem.
O marfim é um material que tem caraterísticas raras na natureza. Ele é ao mesmo tempo muito forte e muito claro. Igualmente Nossa Senhora é muito forte espiritualmente, a maior inimiga dos inimigos de Deus, e de uma pureza alvíssima. Assim Ela contraria a idéia falsa de que as coisas de Deus devam ser sempre muito doces, suaves e fracas, ou que a verdadeira força têm-na os impuros.2
Maria é para nós um grande tesouro. É uma “torre de marfim” que nos guarda, amorosamente. É maior que o trono dos reis. Ela é mais que a rainha de Sabá. Sua riqueza não é feita de pedras preciosas ou de ouro. E, se a Rainha de Sabá deu presentes preciosos a Salomão, a Virgem nos deu de presente o Rei dos Reis, o Senhor dos Senhores.
Maria nos protege com a força e a inteligência de uma mãe, contra a Serpente infernal e seus sequazes; por esta proteção a cidade de nossa alma podemos pois compará-la a uma torre que protegia as casas dos invasores. Maria nos protege com tanta segurança de todos os estímulos do pecado, enquanto que Ela mesma nunca deu ao pecado o menor assentimento.
Ela é toda pura; o resplendor do marfim pode sugerir-nos, mas de uma forma quão deficiente, sua pureza imaculada. Seja como for, nas intervenções de Maria, pureza e proteção vão sempre juntas; Ela é a torre de marfim.
Mesmo nos Evangelhos temos a figura implícita de Maria, Torre de Marfim, em nossa vida: “Escutai outra parábola: Um chefe de família plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar, construiu uma torre...” (Mt 21,33-43, Mc 12,1-12) É o próprio Filho de Maria que coloca a figura da torre em seus exemplos de edificação de nossas vidas. Não mais Salomão, mas o próprio Messias. Não é uma criação de piedosos, mas provém da própria boca do Salvador.
São Jerônimo via um detalhe interessante na comparação do pescoço da amada com uma torre de marfim. Lembrava que se Jesus é a cabeça do corpo que é a Igreja, Maria é o pescoço, ou seja, aquela por meio da qual nos chegou o Salvador.
Turris Eburnea, ora por nobis! - Torre de Marfim, rogai por nós!
1- A Ladainha Lauretana ou Ladainha da Santíssima Virgem foi composta quando se encerrava a Idade Média. Guarda esse nome devido à aprovação do Papa Sixto V, no ano de 1587, dada à ladainha habitualmente utilizada pelos fiéis que freqüentavam a Santa Casa, na cidade de Loreto. Com essa aprovação, as demais ladainhas acabaram por ser suprimidas. Alguns dos títulos que constam atualmente foram acrescentados solenemente à ladainha original por uma série de Papas ao longo da história, sendo o último João Paulo II.
2- André Damino, Na escola de Maria, Ed. Paulinas, 4ª edição, São Paulo, 1962.
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