O distintivo “escudinho”
Alexandre Martins, cm.
Com
a redescoberta das Congregações Marianas pela juventude do século
XXI, várias peculiaridades características foram também
redescobertas e se tornaram objeto de discórdia ou espanto, por
incrível que possa parecer.
As
Congregações Marianas em todo o Mundo começaram a adotar um sinal
que fizesse os Congregados marianos serem destacados no cotidiano da
Sociedade. Como os antigos cavaleiros templários, que ostentavam a
Cruz de Cristo em suas vestes diárias, os Congregados marianos
inventaram o uso de um distintivo próprio para o uso diário.
Não
bastava o uso da medalha nas cerimônias litúrgicas. Sentia-se nos
corações uma necessidade de mostrar a todo o Mundo, a todas as
pessoas, o orgulho em ser um filho predileto da Virgem Maria.
Pois
esse é o motivo principal do uso do distintivo: o orgulho de ser um
Filho de Maria e propagar essa especial devoção a toda a hora, em
toda a ocasião.
No
fervor do início do século XX, as Congregações Marianas se
propagavam devido a vários motivos. E, como um exército de Maria,
sentia-se a natural necessidade de cada vez maior organização.
Como
mostrar ao Mundo as Congregações Marianas através de apenas um
símbolo? Era a época da suástica do Nazismo, da foice e martelo do
Comunismo, do sigma dos Integralistas... As Congregações Marianas
não podiam se clara.
O
distintivo brasileiro1
surgiu no Rio de Janeiro (RJ) na década de 1920 por desenho de um
congregado mariano carioca. Como os Congregados marianos são
soldados de Maria Rainha, também são cavaleiros Dela. Nada mais
natural que o formato fosse de um escudo medieval. Foi encimado por
três pontas, simbolizando as três Virtudes Cardeais. Do formato
originou seu apelido pelos cariocas: o “escudinho”.
A
cor principal deveria ser o azul, como é evidente. Mas seria um azul
mais “masculino”, dado que a maioria esmagadora das Congregações
Marianas da época era composta por homens. Optou-se pelo azul ciano,
um azul mais escuro que o azul litúrgico de Maria, este mais claro.
Sobre ele, uma cruz latina na cor branca, símbolo da pureza de Maria
e também a pureza do Congregado mariano.
A
coroa dourada é um dos símbolos mariais, representando a realeza
sagrada de Maria.
Abaixo
as iniciais “A” e “M”, de “Ave Maria”, a saudação
angélica proferida à Virgem (Lc2,16). Era um monograma comum na
época e usado desde há muito tempo atrás.
Rapidamente
as Congregações Marianas de todo o Brasil utilizaram essa nova
marca que, pela primeira vez na História. Marcava a ação das
associações criadas pelos Jesuítas. Selos, cartas,m timbres, e
todo o material impresso das Congregações Marianas bem como a
parede das sedes, era visto o distintivo. No Manual dos Congregados
ensinava-se a prática de se pronunciar “Salve, Maria” quando o
Congregado o colocava na lapela pela manhã ao vestir-se.
Não
tardou para que fosse confeccionado um distintivo de lapela. Era uma
época em que o padrão austero e inglês de moda masculina era o
paletó cinza ou preto, o uso de qualquer adereço chamava a atenção.
Seria como o uso cotidiano de camisas de futebol hoje em dia. Isso é
uma prova de que “sentir vergonha” não era hábito entre os
Congregados mariano brasileiros.
Haviam
de vários tamanhos e modelos, como os de paletó (com alfinete
comprido) os de camisa (como broche) mas todos folheados a ouro.
Foi
realmente o símbolo das Congregações Marianas do Brasil pois
constava da bandeira oficial e era estampado na capa das edições do
Manual dos Congregados.
Em
1953 fundou-se em Roma a Federação Mundial das Congregações
Marianas. O próprio Papa Pio XII foi o elemento incentivador dessa
instituição. Desdobramento natural do Congresso Internacional do
Apostolado Leigo, aonde se percebeu que as Congregações Marianas
não tinham um órgão internacional que as pudesse representar.
Como
toda a instituição, há a necessidade de um símbolo, uma marca. E,
para a surpresa de todos os Congregados do Mundo foi escolhida uma
marca que havia sido criada décadas atrás na Alemanha. O monograma
“Chi-ro” aconteceu por ocasião de um Encontro de Congregações
Marianas na Alemanha2
da década de 1920 - pré-Nazismo - onde foi usado pela primeira vez
nas bandeiras das Congregações participantes.
Era
o desdobramento de uma marca milenar usada pelos cristãos e pela
Igreja desde os tempos das catacumbas de Roma.
A
primeira Congregação Mariana foi também a primeira a adotar o novo
distintivo. As demais Congregações Marianas do Mundo seguiram seu
exemplo. Nem se pode dizer “novo distintivo” pois somente o
Brasil era constante no uso de um símbolo para suas Congregações
Marianas além da medalha da Congregação.
No
Primeiro Congresso Mundial das Congregações Marianas em 1954
decretou-se3
que as Congregações Marianas adotariam o que foi o símbolo deste
Congresso, utilizado somente pela Alemanha - de onde saiu a criação
do monograma - e de mais 8 países, incluso a Itália. Como as
Congregações brasileiras eram “afinadas” a acompanhar o
proposto por Roma, usou-se o distintivo atual que também era o usado
pela Congregação Mariana “Prima-Primária”. Logo após o
Congresso Eucarístico Nacional realizado em 1955 no Rio de Janeiro
(RJ) a CNCMB resolve, após reunião com representantes de todo o
Brasil adotar o “distintivo da Prima Primária”.
A
empolgação era grande: estávamos “antenados" com o Mundo Católico!
Este
monograma significa as duas primeiras letras - X e P - do nome de
Cristo em grego ( χριστος = “Kristós” = ungido). A
letra “M” é de Maria. Portanto, significa simbolicamente “a
Cristo por Maria”. A cor Azul é a cor de Maria. A cor dourada a de
Cristo Sacerdote. O hexágono é a representação da criação, pois
o número seis tem este significado - o Mundo foi criado em seis dias
- simbolizando4
que devemos criar algo a partir da Congregação, como nosso
apostolado.
O
monograma (X-P, ou Chi-rota) é de uso antiquíssimo, sendo
mesmo encontrado em objetos litúrgicos nas Catacumbas de Santa
Priscila, em Roma, datadas do século II. As letras I (ióta)
e X (khi) são as iniciais gregas das palavras Khristos
Iésous (Jesus Cristo). O símbolo aparece posteriormente5
no chamado “Crisma de Constantino”. Esta junção permanece até
os dias de hoje na representação litúrgica.
O
uso do hexágono foi de uso da Federação Mundial apenas para dar um
formato agradável e coeso ao monograma. As cores azul e amarelo
simbolizam Maria (azul) e a sacralidade (amarelo, cor do Sol,
representação clássica da divindade, no caso de Cristo, Sol da
Justiça).
Entretanto,
algumas Congregações Marianas - mais por ignorância do que por outra
coisa - não se preocuparam com isso e continuaram a usar a bandeira
com o distintivo antigo. Mas, na época surgia também uma associação
que haveria da usar o antigo símbolo das Congregações Marianas
para mascarar seus reais propósitos: a Sociedade de Defesa da
Tradição, Família e Propriedade – a TFP.
Criada
por Plínio Corrêa de Oliveira - um antigo congregado da Federação de
São Paulo (SP) - a TFP por décadas se mostraria como uma espécie de “mantenedora”
de valores sociais e religiosos dos anos 1950. E o uso do antigo
distintivo como seu símbolo no Brasil era porque os primeiros
membros eram todos Congregados marianos paulistanos, assim como seu
fundador. O símbolo oficial da entidade era um “leão rampante” heráldico,
mas seus membros no Brasil usavam nas lapelas o antigo distintivo das
Congregações Marianas. A intenção era simples e clara:
como as Congregações Marianas sempre foram vistas como defensoras da Fé
e propagadoras dos bons costumes cristãos, usando do distintivo
mariano os membros da TFP queriam dar legitimidade a sua associação.
Mas também era uma atitude de repúdio ao "moderno" Concílio Vaticano
II, odiado pelos membros da TFP, bem como repúdio aos papas desde João XXIII.
A
partir dos anos 1960, portanto, quem usasse o antigo distintivo era
identificado como membro da TFP, pois todos os Congregados marianos
adotaram o de Roma.
A
Confederação Nacional brasileira ainda criou em 2002 uma variação do distintivo
composto somente do monograma para uso dos Congregados do Brasil. O
que na realidade é um "retrocesso" ao usado no Congresso das
Congregações Marianas alemãs de 1920. Não é novidade, posto que
este já é usado por outras Congregações pelo Mundo como a de
Medellin (Colômbia) e mesmo as Comunidades de Vida Cristã, ligadas
aos jesuítas, se bem que mais estilizado.
No
início do século XXI, as novas gerações de Congregados marianos,
como relexo de seu tempo, iniciaram uma “Onda de nostalgia” e
buscavam as experiências das Congregações Marianas do passado. O
jovem católico dos anos 2000 estava decepcionado com uma atividade
pastoral católica que para muitos assemelhava-se mais ao
protestantismo. E ainda mais com a promulgação da Summorum
Pontificum de Bento XVI, sentiram que estavam “legitimados” a
buscarem o Antigo.
Nas
Congregações Marianas o símbolo gráfico dessa “volta ao
passado” foi o uso do antigo distintivo escudinho pelos jovens.
Mas,
manter a tradição das Congregações Marianas – e, naturalmente,
sua eficácia - não passa apenas pelos símbolos e exterioridades
que as Congregações Marianas do Brasil sempre gostaram, mas em
voltar as práticas interiores e o sentimento de honra que sempre
permeou a vida do Congregado mariano.
Ser
um cristão que tenha orgulho de ser um especial filho da Virgem
Maria que aja tanto em sua vida espiritual quanto em seu cotidiano de
forma reta, sincera, amorosa e pura é a real tradição. Isto é o
interior do Congregado mariano que faz a diferença quando vemos o
distintivo em sua roupa. Sem esse interior que transborda para o
exterior não temos um soldado de infantaria mas um folião de
carnaval usando uma roupa de soldado.
É
por este motivo que alguns que usam a fita azul tem mais “presença” do
que outros. As pessoas percebem isso quando os observam. Alguns sabem
o que estão percebendo, outras não, mas todos sentem em seus
corações que aquele Congregado mariano “é diferente”. É o interior
que passa para o exterior.
O distintivo é um excelente meio de propaganda da Congregação. Atualmente todas
as associações sérias usam alguma forma de símbolo. E as
Congregações, seríssimas como são, não podiam deixar de possuir o seu. As
grandes corporações empresariais japonesas6
insistem que seus funcionários usem os broches da empresa mesmo no
ambiente diário: para elas, uma propaganda; para o funcionário, uma
honra de participar de uma grande empresa.
Conta-se que um parlamentar congregado mariano7 comprou na Federação do Rio de Janeiro oito distintivos. Alguém estranhou a quantidade. Ele explicou: “É que vou viajar e levo oito ternos. Quero um distintivo em cada paletó para não ter de esquecer em casa ao mudar de terno”.
Conta-se que um parlamentar congregado mariano7 comprou na Federação do Rio de Janeiro oito distintivos. Alguém estranhou a quantidade. Ele explicou: “É que vou viajar e levo oito ternos. Quero um distintivo em cada paletó para não ter de esquecer em casa ao mudar de terno”.
Existia
no Brasil um lema8
muito difundido: “aonde o distintivo não possa estar, não pode
o congregado estar”. Servia especialmente para os jovens que
não queriam usá-lo em bailes um tanto vulgares. Se eles não
gostariam de usar seu distintivo naqueles lugares duvidosos, quanto
mais não deveriam permanecer neles.
recepção com uso do distintivo na Congregação Mariana de Bucaramanga (Colômbia) - 2013 |
Sempre
se incentivou o Congregado mariano a usar o distintivo diariamente.
Mas a grande maioria não usava, mesmo no tempo de muita atividade
mariana. Isso não importa tanto. Repito: o interior promove o
exterior. Se o Congregado mariano tem orgulho do que é e deseja
mostrar esse amor aos demais para que eles também possam se
beneficiar disso, então ele procurará formas de usar frequentemente
o distintivo de acordo com a prudência e o bom senso. Usará o
distintivo como uma forma de apostolado e não como uma ostentação
preconceituosa ou simples enfeite.
E o
distintivo diário continua sendo uma das melhores formas de ver a
vida interior de cada Congregado mariano.
Salve,
Maria!
________________________________________________
1-
Antônio Maia, cm - palestra na Congregação Mariana “dos
Capuchinhos”, Tijuca, Rio (RJ) 1995.
2-
revista “Acies Ordinata”, 1954
3-
Primeira Assembléia Mundial das Congregações Marianas, Roma,
Itália, 1954 - conclusão 7
4-
Schlesinger & Porto, Hugo & pe. Humberto - “Crenças,
Seitas e Símbolos Religiosos”, Ed. Paulinas, S. Paulo (SP), 1983.
5-
Lesage, cônego Robert - “Vestes e Objetos Litúrgicos” -
Enciclopédia do Católico no Século XX (10ª parte) - tradução
das Religiosas da Companhia da Virgem, Ed. Flamboyant, S. Paulo,
(SP), 1960.
6-
Martins, A - “Perguntas a um Congregado”, S. Gonçalo (RJ),
2005 - págs. 34 a 38
7-
pe. Paulo J. de Souza, SJ, in “Vida Mariana”, pág. 37
8- ibid.”, pág. 37
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