A Virgem Maria segundo o Islamismo
Alexandre Martins, cm.
O
Alcorão1
não é muito explícito sobre a Virgem Mãe de Deus. Entretanto, a
tradição muçulmana proclama, com unanimidade, o extraordinário
privilégio de Maria e de seu Filho: o fato de ambos terem sido
preservados de qualquer contato com Satanás no momento do
nascimento.
A
versão mais divulgada deste célebre hadîth2:
“Todos os filhos recém-nascidos de Adão são tocados por Satã,
menos o Filho de Maria e sua Mãe; quando acontece tal contato, a
criança dá o seu primeiro grito”.
Maria,
mãe de Jesus, é assim referenciada no Corão (Sura 3:42):
Recorda-te de quando os anjos disseram "Ó Maria, é certo
que Allah te elegeu e te purificou, e te preferiu a todas as mulheres
da humanidade!
Allah manifesta Sua suprema vontade através de infinitas e
magníficas formas. Através do milagre da vida, da sofisticação da
consciência, da imensidão do espaço, da incomensurabilidade do
tempo,...
Dentre as majestosas expressões de Seus atos, Allah criou Adão
(as) por Sua vontade, sem pai nem mãe, criou Eva a partir de Adão
(as), porém sem mãe e criou Jesus (as) a partir de Maria (as),
porém sem pai. Quando Allah deseja criar, Ele manifesta o comando
"Seja" e aquilo que é comandado aparece de imediato.
Todos
os comentários reproduzem este primeiro hadîth, que está
entre as mais sólidas tradições do Islã, visto que está incluído
nas duas antologias que usufruem de autoridade máxima: a de Boukhari
e a de Mouslime.
Sempre
que esse privilégio de Jesus e de Maria recebeu ataques de
pensadores muçulmanos sobre a sua existência ou sobre o seu
significado, os representantes da ortodoxia islâmica o defenderam
vigorosamente.
Referindo-se
a Maria, o sentido que os pensadores muçulmanos dão ao privilégio
recebido por ela, apenas se referem que “Maria foi preservada de
qualquer mácula”:3
diz o Corão:
“E (Deus propõe o exemplo para aqueles que creem) de Maria, a
filha de Heli, que guardou sua castidade; então sopramos nela Nosso
Espírito (ou seja, Gabriel), e ela acreditou nas palavras de seu
Senhor e Seus Livros e foi devotadamente obediente.” (66:12)
Al-Alousi
resume o ensinamento habitual. Ou seja:
- Deus purificou Maria de todas as máculas comuns às mulheres (períodos como a menstruação, a sequência do parto etc.); “Maria, filha de Imran, que preservou sua castidade, e nela infundimos nosso Espírito e ela confirmou a verdade das palavras de seu Senhor e de Suas Revelações e se contou entre os servos virtuosos.”4
- purificou-a, da incredulidade, dando-lhe fé inabalável,
- preservou-a da indocilidade, concedendo-lhe a virtude inalterável da obediência;
- livrou-a dos defeitos inerentes à alma e ao caráter dos seres humanos.
E
mais - conclui Al-Alousi - o mais correto é tomar a palavra
“purificação” no sentido mais vasto e admitir que Deus concedeu
a Maria o privilégio de ser pura e isenta de todas as máculas, no
sentido próprio e no sentido figurado, as manchas do coração, dos
sentimentos e as da carne; deste modo, ela esteve pronta para receber
a completa “profusão do Espírito” .
O
minimalismo do sobrenatural sobre Maria é compensado pelo esplendor
do que é maravilhoso e arrebatador, sob uma forma concreta e,
igualmente, extraordinária e cândida. Assim, para Maria, por
vontade expressa de Alah (Deus na concepção islâmica), uma espécie
de cortina houve entre ela e Satanás no momento do seu nascimento:
Hannah chamou a sua filha de Maria (Mariam,
em árabe) e invocou a Deus que a protegesse e à sua criança de
Satanás: “E eu a chamei de Maria (Mariam), e a entrego e à sua
descendência à Tua proteção, contra o maldito Satanás.” (Sura
3:36)
O
Corão apresenta apenas três traços, ligeiramente delineados, sobre
esses períodos da vida de Maria: infância e juventude.
Como
resposta ao voto e à oração da esposa de Imrâne, Maria foi
agraciada por Deus e a escolhida de Deus: “E seu Senhor a
acolheu, dando-lhe agradável abrigo e a fez florescer e crescer de
forma afável...” (Corão 3/34). O Corão declara que foi
Zacarias quem se ocupou dela. (3/37). Enfim, “cada vez que
Zacarias entrava no santuário onde Maria se encontrava, descobria
nela um manancial de recursos”; e lhe diz: ‘de onde lhe vem
isso?’ - E ela responde: ‘Isso me vem de Deus, que provê com
fartura o que é necessário ao seu escolhido” (3/36).
Unindo-se ao zelo de Zacarias por Maria, existe um outra mensagem do
Corão: “E tu não estavas no meio deles quando tiravam a sorte
para saber quem cuidaria de Maria?” (3/39) Os relatos reunidos
pelos comentaristas sobre esses textos do Corão dividem-se em vários
sentidos.
Maria
teria sido levada ao Templo logo após o nascimento. Zacarias, seu
tio, passou a cuidar dela. Ele foi designado por sorteio; visto que,
os outros o contestaram, inicialmente pelo direito que Zacarias
requeria, em nome do parentesco com a criança... Zacarias manteve a
pequena menina encerrada no santuário - ou em sua casa, ou ainda num
oratório pessoal munido de sete portas. Maria não precisou contar
com uma ama de leite como as outras crianças, pois ela viveu de
alimentos celestes. que deixava Zacarias deveras maravilhado.
Conforme o exposto, Maria teve, por privilégio, o uso da razão e da
palavra desde a mais tenra idade.
Verificando
outros conceitos, encontra-se um relato que supõe que a mãe de
Maria tivesse morrido logo após o nascimento da filha. O tio da
criança, Zacarias, passou a cuidar dela sem qualquer contestação e
sem recorrer a recursos ou sorteio. A criancinha cresceu com o tio.
Quando mocinha, foi admitida para “servir” no Templo. Nesta
época, viu-se beneficiada pelos prodígios que provocaram a
admiração de Zacarias.
O
recurso à sorte só aconteceu bem mais tarde, após um tempo de
penúria, durante o qual Zacarias, já muito idoso, não tinha mais
forças para vencer as dificuldades materiais e assegurar o
necessário para a subsistência de Maria. Era imprescindível
encontrar alguém que a amparasse. O acaso designou um carpinteiro
chamado Jourayj. Um texto antigo declara que Jourayj era um monge
(râhib) e igualmente carpinteiro - velha indicação que
insinua a pureza dos costumes do novo tutor de Maria e que ninguém
foi capaz de notar.
Jourayj
exercia sua profissão e provia as necessidades de Maria, abastecendo
a casa do pouco que ele conseguia encontrar naqueles tempos difíceis;
porém, o pouco que trazia, era milagrosamente aumentado e melhorado,
para grande espanto de Zacarias. O prodígio dos alimentos celestes ─
os tais “proventos” que o Corão registra claramente e que,
consequentemente, toda a tradição muçulmana proclama com fervor ─
consistia, seja em frutos do Paraíso; seja no fato de que, na casa
onde habitava Maria, o tio encontrava os frutos do verão durante o
inverno e vice-versa; seja, na multiplicação e na melhoria ou
aprimoramento da magra e parca alimentação que o tutor de Maria lhe
trazia nos tempos de penúria e escassez.
Não
se sabe, de forma precisa, se esse prodígio aconteceu quando Maria
era criança ou quando já era moça. Para a maior parte dos
exegetas, entretanto, a segunda hipótese parece a mais provável,
visto que a resposta de Maria à pergunta de Zacarias “isso vem
do Senhor; o Senhor supre com fartura a necessidade do seu
escolhido”(3/36), avivara a fé de Zacarias e reanimara nele a
esperança de, um dia, receber a graça milagrosa de vir a ter um
filho; admite-se que João Batista fosse três meses mais velho que
Jesus Cristo.
O
Corão5
a anunciação a Maria é assim relatada:
E
quando os anjos disseram: Ó Maria, verdadeiramente Allah te anuncia
o Seu Verbo, seu nome será o Messias, Jesus, filho de Maria, honrado
neste mundo e no outro, e estará entre os próximos a Allah..Falará
aos homens no berço e na maturidade, e estará entre os virtuosos.
Ela perguntou: Ó meu Senhor, como poderei ter um filho se nenhum
homem jamais me tocou? Ele disse: Assim será, Allah cria o que
deseja. Quando decreta algo, Ele apenas diz: "Seja!" e é.
Disse-lhe: Como poderei ter um filho, se nenhum homem me tocou e eu
não perdi a castidade? Ele disse: Assim será, pois teu Senhor
disse: Isto é fácil para Mim, e desejamos fazê-lo um sinal para os
homens e uma Misericórdia: Este é um assunto assim decretado.
Alguns
estudiosos islâmicos entendem tal nobreza na Virgem Maria que
consideram sua alma de natureza profética, uma vez que, em diversas
passagens do Corão, há indicações de que o Anjo Gabriel lhe
dirigiu a palavra. Isto seria prova suficiente de seu caráter
profético, uma vez que o Anjo Gabriel só desce para manifestar-se a
profetas.
Dentre
as religiões reveladas, os muçulmanos consideram o cristianismo a
mais próxima, uma vez que, tal como os cristãos, honram e amamos
Jesus e sua abençoada mãe, a Virgem Maria:
“E
lembra-lhes, Muhammad, de quando os anjos disseram, ‘Ó Maria! Por
certo Deus te escolheu e te purificou, e te escolheu sobre todas as
outras mulheres dos mundos. Ó Maria! Sê devota a teu Senhor e
prostra-te e curva-te com os que se curvam (em oração).” (Sura
3:42-43)
1-
Alcorão ou Corão (em árabe قُرْآن,
transl. al-qur’ān, "a recitação") é o livro sagrado
do Islã. Os muçulmanos creem que o Alcorão é a palavra literal
de Deus (Alá) revelada ao profeta Maomé (Muhammad). A palavra
Alcorão deriva do verbo árabe que significa declamar ou recitar;
Alcorão é portanto uma "recitação" ou algo que deve
ser recitado. Há duas variantes para o nome do livro usadas
comumente: "Corão" e "Alcorão".
2-
(árabe) transmissão oral da notícia de um ditado, de um ato, de
um fato.
3-
J-M. Abd-El-Jadil,in “Maria e o Islã, p. 17, Ed. Beauchesne, 1950
4-
Sura 66:12
5-
Sura 3:45-48 e Sura 3:45-48
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