Sede da Sabedoria
Alexandre Martins, cm.
Antes da Anunciação, Maria já se
havia consagrado inteiramente a Deus1.
Ela é a oferta viva. Porém, ainda ignora com que plenitude deverá
se realizar nela a palavra do Cântico dos Cânticos: "Eu
pertenço ao meu bem-amado, seu desejo o traz a mim (Ct 7, 11)."
Maria conhecia as Escrituras de cor e
havia compreendido sua orientação de cada palavra antevendo o
Cristo, o Enviado, em que o sopro ardente do Espírito apaga as
misérias humanas. Nas Escrituras, Maria busca uma Presença, e
encontra uma Pessoa. Nessa Pessoa, toda esperança humana está
contida.
Apenas ao ler o Profeta seu coração
já pulsa: "Eis que a jovem concebeu e dará à luz um filho"
(Is 7, 14). Ela jamais havia pensado que esta jovem poderia ser ela.
Quando da aparição do Anjo ecoa a primeira Ave Maria, ela se
perturba: o que significa esta mensagem? O que é esta mensagem?
Se o Anjo fala a verdade e se ele vem
de Deus, é preciso que as suas palavras não atrapalhem o voto já
feito ao mesmo Senhor. "Como é que vai ser isso se eu não
conheço homem algum?" O Anjo lhe respondeu: "O
Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir
com a sua sombra" (Lc 1, 34-35). Certa de que é Deus que a
chama, ela consente: "Fiat. [Faça-se] Eu sou a serva do
Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!" (Lc 1, 38)
Tornou-se com esse assentimento, a Mãe de Deus. Conhecia
suficientemente os profetas para saber o que a esperava. Os primeiros
sons do Stabat Mater2
ressoavam nela. Despojada de si própria, daria-se para sempre àquela
Criança que havia concebido do Espírito - não como a imagem
glorificada dela mesma - mas como o esplendor da glória do Pai.
Maria é a “Sede da Sabedoria”,
porque durante nove meses, abrigou em seu ventre a própria Sabedoria
Divina: Jesus, o Verbo. No Antigo Testamento, no 2º Livro das
Crônicas (cap. IX) há a magnífica descrição do trono de Salomão,
o grande rei de Israel que construiu o Templo de Jerusalém. Ele
ficou famoso por ser o mais rico e poderoso de todos os reis de
Israel. Mas quando Deus lhe permitiu fazer seus pedidos, Salomão não
pediu nem ouro, nem poder. Apenas pediu sabedoria para governar seu
povo. Um homem verdadeiramente sábio acaba conquistando também a
riqueza. O rico e majestoso trono de Salomão passou a ser conhecido
como a “Sede da Sabedoria”, o trono do sábio. Era o lugar onde
sentava o “grande e sábio rei do povo de Deus”. A Tradição
cristã reconheceu naquela “cadeira humana” uma figura de Maria,
a verdadeira “Sede da Sabedoria”. No seu colo o Rei dos Reis foi
acolhido, protegido e aprendeu as primeiras palavras. Quando olhamos
para uma imagem de Maria com o menino nos braços vemos com clareza
que ela é o trono e ele é o Rei; ela é a sede, a cadeira d’Aquele
que reina sobre todos os povos da terra.
Assim como o trono de Salomão
prefigurou a maternidade de Maria, o colo da Mãe de Deus prefigura o
trono do Altíssimo de onde Jesus virá para julgar os vivos e os
mortos. Haverá um Juízo Final. No Evangelho segundo Mateus
(capítulo XXV) vemos que os bons entrarão no Reino dos Céus e os
maus para o castigo eterno. Assim como o Rei Salomão era sábio para
julgar pequenos conflitos, Jesus é a própria sabedoria encarnada
que julgará o mundo com justiça.
Também somos chamados a abrigarmos em
nossa vida e em nossos corações a verdadeira Sabedoria. Precisamos
ser como a Mãe de Deus, “Sede da Sabedoria”.
Iconografia
Na tradição antiga3
nunca a Virgem é representada sem seu Filho-Deus, pois se assim o
fosse, estaria esvaziada de seu sentido mais profundo e mistagógico.
Maria não é apenas mais “uma santa” mas é a Toda Santa Mãe de
Deus. Nos ícones, as personagens representadas possuem sempre pele
morena. Isso simboliza que aqueles que aí estão pintados, se
exporam a luz de Deus a tal ponto que se deixaram bronzear pelo Sol
da Graça. Também possuem uma expressão de gravidade que pode ser
interpretada como tristeza, mas é antes um olhar de misericórdia
lançado sobre aquele que o contempla. A testa ampla é sinal de
sabedoria, os olhos grandes, são próprios daquele que contempla já
deslumbrado a Deus face-a-face. As orelhas sempre visíveis nos
lembram que foram homens e/ou mulheres que souberam ouvir a Palavra e
a vontade de Deus e a boca pequena é daqueles que diante do Mistério
de Deus se calaram e meditaram em seu coração.
O fundo de um ícone é de cor amarelo
ocre, representando o ouro que nos remete e nos quer indicar a “Luz
Inacessível” que é o próprio Deus assim como o Céu glorioso
onde a Virgem Maria já está e nos precede como primícias em corpo
e alma juntamente com seu Filho Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Sabemos que na iconografia clássica,
os personagens mais importantes são sempre representados sentados
(símbolo de poder, senhorio, majestade, grande importância) e por
isso, somente Jesus e a Virgem Santíssima são assim representados.
Mas na imagem da Sede da Sabedoria Jesus está duplamente sentado:
sentado sobre o colo de sua Mãe que está também sentada. Assim,
indica que Jesus é sumamente importante e que Maria é o Trono do
Cordeiro, a Sede da Sabedoria onde se assentou pela encarnação o
próprio Deus morando em seu seio virginal.
Maria usa as vestes de imperatriz. Com
isso a iconografia nos lembra que ela é a Rainha do Céu e da Terra,
a verdadeira e única imperatriz. Usa as sapatilhas de rainha, uma
vez que os escravos andavam descalços. No seu vestir, usa túnica
azul e um manto vermelho. Na iconografia, o azul representa a
humanidade e o vermelho é a cor da divindade. Por isso, Maria tem a
túnica de baixo azul, porque é humana, nascida da descendência de
Eva, mas é recoberta com o manto vermelho da divindade através da
Encarnação de seu Filho Nosso Senhor. Ao redor da cabeça da Toda
Santa, notamos a presença de uma auréola de ouro: Mais uma vez o
símbolo da Glória representada pelo dourado e agora, também, o
círculo que representa o infinito, o eterno. Maria é aquela que
está na glória eterna.
Jesus está sentado sobre o colo de sua
Mãe, portanto, duplamente sentado sobre aquela que é a Sede da
Sabedoria. A túnica branca nos lembra que ele é Luz e também o
Príncipe da Paz. Seu manto dourado nos indica a sua glória, seu
esplendor e sua divina majestade.
Lembremos sempre que um ícone é
sempre um “lugar de encontro” com o Mistério. Todo ícone é uma
celebração na qual somos convidados a entrar e participar, é uma
janela que se abre para o Céu, é um “levantar da ponta do véu”
que esconde o Mistério. Assim, que nos disponhamos a “gastar
tempo” de oração e contemplação numa obra de arte para que nos
imbuamos do Mistério Revelado por meio dela.
Verdadeira sabedoria não está nos livros, mas em Cristo
“A verdadeira sabedoria não é um
conhecimento, mas uma pessoa, Jesus” - como disse o papa Bento XVI
aos universitários de Roma.
O Papa afirma que a primeira forma de
caridade intelectual consiste em ajudar os outros a descobrir o
verdadeiro rosto de Deus. O paradoxo cristão consiste na
identificação da Sabedoria divina, que é o «Logos» eterno, com o
homem Jesus de Nazaré e com a sua história. Não se encontra
solução para este paradoxo a não ser na palavra ‘Amor’, que
neste caso se escreve naturalmente com ‘A’ maiúsculo,
tratando-se de um Amor que supera infinitamente as dimensões humanas
e históricas.
Um professor ou um jovem cristão
transporta “dentro de si o amor apaixonado por esta Sabedoria”,
discernindo todos os acontecimentos à sua luz. Neste sentido, o
reconhecimento da plena sabedoria de Jesus não é incompatível com
a investigação acadêmica: "Quantas vezes tivemos medo de nos
aproximar da Gruta de Belém, preocupados que ela pudesse ser um
obstáculo à nossa capacidade crítica e à nossa 'modernidade'",
referiu o Papa. Pelo contrário, "naquela Gruta cada um de nós
pode descobrir a verdade sobre Deus e sobre o homem".
Elevações à Sede da Sabedoria – pe. Francisco Faus4
Sede da sabedoria,
Mãe santa!
Fazei-nos amar o dom de Sabedoria,
o mais alto dos dons do Espírito
Santo,
que nos faz maravilhar-nos
e saborear com gosto extasiado
– numa sintonia feliz e uma união
inefável –
as grandezas de Deus,
as belezas de Deus,
as bondades de Deus,
os abismos de luz dos mistérios de
Deus,
as maravilhas da Graça divina
e as exigências santas do Amor.
***
Mãe, consegui do Espírito Santo
para nós, sem falta
– atrevemo-nos a pedir-vos
assim,com ousadia –,
que cada vez nos enamore mais o
Rosto de Cristo
e a Palavra de Cristo,
a Vida de Cristo
e a Morte de Cristo..
Que O procuremos com ânsia,
com uma sede que a cada dia cresça,
e estejamos decididos a imitá-Lo
e a segui-Lo,
e a abraçá-Lo
como nosso único bem,
como o nosso único
Caminho, Verdade e Vida.
Ajudai-nos, Mãe, a dizer,
com São Josemaria Escrivá:
“Jesus: ver-Te, falar contigo!
Permanecer assim, contemplando-Te,
abismado na imensidade
da tua formosura,
e não cessar nunca, nunca,
nessa contemplação!
Oh, Cristo, quem Te pudesse ver!
Quem Te pudesse ver,
para ficar ferido de amor por Ti!”
De maneira muito especial, Mãe,
rogai ao Espírito divino
que acenda em nós
– como um carvão em brasa –
um amor cativado, louco,
cheio de indizíveis doçuras,
pelo mistério da Sagrada
Eucaristia,
“que contém todo o bem espiritual
da Igreja:
pois nela se contém o próprio
Cristo”.
A Eucaristia!
É neste mistério que está
presente
o Amor que chegou até ao fim,
até à entrega plena da vida na
Cruz,
por nós, os pecadores,
e pela nossa salvação.
Dai-nos fome desse Pão Vivo,
que nEle nos transforma,
quando nos alimenta;
e que ao mesmo tempo é nosso grande
Amigo,
“que nunca atraiçoa”,
sempre à nossa espera
em cada um dos Sacrários da terra.
***
Alcançai-nos, Mãe, ainda,
que, com o dom de Sabedoria,
saibamos captar com júbilo
e agradecer sem cansaço
a beleza da entrega a Deus,
a paz profunda e o gozo sereno
da fidelidade à Vontade do Senhor,
tanto nas horas fáceis como nas
difíceis.
Que nos ensine a entoar
o cântico do coração generoso
que não quer entregar-se pela
metade,
mas dar-se inteiro
a Deus e a todos os irmãos.
Coração generoso que estremece,
“com ânsias em amores inflamado”,
na gloriosa esperança de chegar um
dia
– conduzindo uma multidão de
irmãos –
à gloriosa morada do Céu,
à fogueira indescritível de Amor
que é a Santíssima Trindade.
***
Mãe, nós vos pedimos
que o vosso Coração Imaculado
nos ajude de tal modo, que possamos
proclamar
agora e na hora da nossa morte:
Nós conhecemos o Amor de Deus
e acreditamos nele.
Bem sabemos que, infelizmente,
quando esse dom é expulso da alma
por nossa culpa,
as coisas de Deus se nos tornam
insípidas e tediosas,
assim como os mais deliciosos
manjares
se tornam repugnantes ao paladar
estragado.
Não permitais, Mãe do belo amor,
que as coisas de Deus
cheguem a nos causar jamais
nem cansaço, nem repugnância, nem
tédio,
por nos termos afundado
no abismo da tibieza!
Sede da Sabedoria, rogai por nós!
Oração do Estudante
Virgem Santíssima, Vós que sois a Sede da Sabedoria, ajudai-me nos
meus estudos. Abri a minha inteligência para que eu possa
compreender e guardar na memória os ensinamentos dos professores.
Conservai a minha calma na hora do exame; fazei-me recordar a
resposta certa e guiai minhas mãos para que eu escreva o que devo
escrever. Fazei que eu seja aprovado, no fim do ano, para que eu
possa dar alegria aos meus pais e a todos os que me ajudam nos
estudos. Nossa Senhora, não permitais que eu aprenda ou pratique
coisas erradas ou repreensíveis, seja em aula ou fora dela, com meus
companheiros, maus livros ou más revistas. Virgem Santíssima, Sede
da Sabedoria, rogai por nós.
Amém.
_____________________________________________________
1-
Maurice Zundel (1897-1975)
2-
Stabat Mater, na Liturgia católica, é a prosa cantada na Igreja na
Sexta-feira Santa, que lembra os sofrimentos da Virgem durante a
crucifixão de Jesus
3-
http://esoanthropos.blogspot.com/2010/10/o-icone-da-santissima-mae-de-deus-sede.html
4-
Adaptado do livro do pe. Francisco Faus, “A tibieza e os dons do
Espírito Santo”, ed. Quadrante, São Paulo, SP, 2007
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