A alma da Congregação
O
cristianismo é a religião da "Palavra",
não
de um verbo escrito e mudo,
mas
do Verbo encarnado e vivo"
(S.
Bernardo).
Tem-se
visto muito em várias instruções e em palestras de Congregações
Marianas que a alma de uma Congregação estaria no “sentir com a
Igreja”, no “unir-se como Papa”, em ser “irmão dos demais
congregados, etc.
Entretanto
a vida de um congregado, sua razão de ser e agir, provém somente de
uma simples atitude: a palavra.
Entendemos
a palavra de um congregado como sua atitude de juramento, sua
Consagração.
Sendo,
na hora de seu ingresso na Congregação, o congregado chamado ao
altar pelo Secretário, ele, diante do Assistente-Eclesiástico que
representa a Hierarquia da Igreja, pronuncia em alta voz a fórmula
da Consagração.
Muito
importante é considerar isto: ele mesmo se consagra à Virgem
Maria.
Não
é outro que o faz por ele. Ele próprio, com decisão, com atitude,
se prostra voluntariamente perante um ícone da Virgem Maria e
formula seu desejo de servir-La e para que “dos demais seja servida
e amada”i,
isto é, que irá fazer o todo possível para que outros a amem como
ele a ama.
A
fórmula atualmente em uso no Brasil sugere ainda que o candidato se
propõe a venerar os outros congregados que se santificaram na
Congregação antes deleii.
Outros que,como ele, se propuseram ser fiéis a palavra que deram
perante o altar da Virgem Maria.
A
atitude dos congregados é imitadora da mesma atitude feita por santo
Inácio de Loyola quando colocou sua espada no altar da Virgem e
consagrou-se como seu cavaleiro, no estilo que ele entendia como
vassalo, o que se dá o nome de “vassalagem marial”.iii
Este
sentido de fidelidade, de honra, nos remete aos antigos cavaleiros
medievais. Estes, dotados de honra varonil, dispostos a derramar seu
sangue por sua Fé, por seu compromisso. Nestes nossos tempos de
apreço pelas civilizações orientais e seus costumes, esta honra
também nos remete aos guerreiros samurais no Japão feudal e à sua
férrea disciplina no código Bushidôiv.
Antes a morte do que faltar ao compromisso assumido com quem quer que
fosse, quanto mais ao Shogun !v
Como
analogia contemporânea podemos comparar o congregado mariano com o
antigo guerreiro samurai. Da mesma forma que a vida do samurai se
baseava na honra também a vida do congregado também se baseia numa
honra. Porém numa honra maior, mais transcedental, baseada no
orgulho de pertencer a uma grei santa.
Nos
cum prole pia, benedicat Virgo Maria ! – como os da prole
santa, bendigamos a Virgem Maria – era a jaculatória muito em voga
entre os congregados brasileiros do início do século XX.
Significava que se sentiam pertencentes a uma linhagem sagrada –
uma prole santa – os filhos de Maria, assim como o próprio Jesus
Cristo. Quanta honra de ser irmão do mesmo Mestre e Salvador !
Quanto gosto de ter como mesma Mãe pura Aquela do nosso Redentor !
O
samurai feudal arriscava a própria vida pelo código do Bushidô.
Muitas vezes praticava o ritual do Sepukkuvi
quando acreditava ter falhado com a obediência a esse código,
sacrificando sua própria vida que mereceria somente este fim honroso
para não permanecer vivo como homem sem honra.
O
congregado sabe que sacrificando sua própria vida pela Fé ele a
recebe em dobrovii.
Sabe que o quanto dedica para os demais, pela Igreja, pelos que dele
necessitam, está em acordo com a Doutrina Evangélicaviii.
Na
concepção pagã zen-budista do samurai, seu erro merecia a morte.
Para o cristão, como o é o congregado, o erro arrependido é
coberto pelo único sacrifício capaz de apagar todos os erros: o
sacrifício de Cristo na Cruzix.
Não precisa o congregado sacrificar sua vida. Cristo já sacrificou
a sua por todos.
E
para isto Cristo pede fidelidadex.
E fiel é o congregado. Fiel à sua palavra dada. Fiel à sua
Consagração, filha desta palavra.
Palavra
esta dada não aos oficiais da Congregação, não ao sacerdote, nem
mesmo à Igreja. Mas uma palavra dada diretamente à Virgem Maria.
Àquela mesmaque disse “sim” ao chamado de Deus. Sua Consagração
não é um compromisso com a Congregação Mariana como uma
instituição, mas à Congregação Mariana como “Escola de Maria”.
Toda
a sua vida na Congregação e na Igreja deriva desta palavra, deste
compromisso assumido com a Virgem.
Se é
fiel aos seus deveres na Congregação, isto reflete seu compromisso
com a Virgem. Se é solícito em ajudar os demais congregados é
porque o sentido de maternidade de Maria o faz ver nos demais seus
irmãos, não somente “irmãos de fita”, mas irmãos de uma mesma
Mãe puríssima.
As
mulheres sempre tiveram dificuldade de relacionar esta palavra
proferida com a atitude do cavaleiro medieval, quanto mais do
samurai.
Embora
as mulheres fossem oficialmente aceitas nas Congregações Marianas a
partir de 1745, o sentido de vassalagem sempre perdurou, por vezes
substituído por um sentido de ser uma “filha de Maria “.xi
Mas,
comparativamente, não são as mulheres fiéis ao compromisso com
suas mães terrenas ? Como deixarão de o ser mais fiéis ainda com a
sua Mãe celeste?
Não
se vê freqüentemente a jovem preocupada com chegar em casa fora do
horário acertado com sua mãe e quanto isto a angustia? Não é a
mulher sempre a mais fiel e a que mais se lembra no que disse no
altar no seu casamento? Como pode a mesma jovem descumprir o que
prometeu com sua Mãe Celeste ? Como pode a mulher esquecer o que
prometeu naquele altar perante sua Senhora?
Vários
são os congregados que permanecem fiéis à Igreja mesmo não
participando mais de uma Congregação. Sua palavra dada á Virgem
Maria os fez vislumbrar o quão santa é esta atitude de unidade
eclesial. Mesmo não freqüentando uma Congregação Mariana por
motivos válidos ainda assim entenderam que são filhos desta Mãe
bendita que tem neles seus servos. A vivência desta palavra os fez
amadurecer na Fé.
Isto
é o essencial na vida do congregado mariano: a vivência de seu
juramento.
Com
esta vivência, tudo se completa.
Sem
esta vivência, são apenas “palavras ao vento”.
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i
- Ato de Consagração Perpétua do Congregado Mariano atribuído a s. Francisco de Sales, in "Manual-Devocionário do Cogregado Mariano, ed. Loyola, São Paulo, SP, 1981, pág. 106
ii
- ibid.
iii
- O primeiro pensamento do novo soldado de Cristo foi o de ir para
a Terra Santa e viver em oração, penitência e contemplação nos
lugares em que se operou nossa Redenção. Em Montserrat, fez uma
confissão geral de sua vida e depôs a espada no altar da Virgem.
Viveu depois algum tempo em Manresa, onde recebeu grandes favores
místicos e escreveu seus famosos "Exercícios Espirituais".
(conf. Saint Ignace de Loyola, Autobiographie, Éditions du
Seuil, 1962, p. 43. Esta autobiografia foi relatada ao Pe. Luís
Gonçalves da Câmara pelo próprio Santo.)
iv
- código de ética do guerreiro samurai
v
- governador feudal
vi
- ritual de suicídio segundo a tradição samurai no século XII,
chamado vulgarmente de “harakiri”
vii
- Mt
viii
- Mt
ix
- CIC
x
- Mt
xi
- breve “Quo Tibi”
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