Cristãos com sinal “mais”
Alexandre Martins,
cm.
“O
Congregado mariano é um cristão com sinal mais”. Essa frase foi
muito difundida nos anos 1980 para designar que um Congregado mariano
não é uma pessoa comum. Sendo cristão, ele é “mais cristão”,
isto é, um cristão com “sinal mais”.
Em
matemática podemos ter exemplo de valores numéricos que tem o sinal
de adição ao seu lado relevando sua importância e seu valor em
comparação com os mesmos valores que não possuem um “mais” ao
lado. Em biologia, o tipo do sangue de uma pessoa difere sendo
“positivo” ou “negativo”.
Todos
os cristãos são chamados à santidade. Todos os homens são
chamados a acolherem o Evangelho e serem cristãos, os seguidores: os
seguidores de Jesus Cristo.
Ora,
se todos os cristãos são chamados à santidade, então os que
inscrevem seu nome nas Congregações Marianas desejam ser mais
santos do que lhes é pedido. Pois se todos são chamados a serem
cristãos nem todos desejam ser Congregados marianos. O ingresso em
uma Congregação Mariana é algo voluntário.
Daí
se compreende que o Congregado mariano pode ser chamado “cristão
com sinal mais” sem ofender aos demais católicos.
Curioso
ter essa frase surgido em uma época que a chamada Teologia da
Libertação (TL) era o pensamento dominante no Clero
latino-americano. A doutrina1
ou pensamento de uma leitura dos Evangelhos a partir de uma ótica
puramente social, era no fundo ver a Verdade Revelada como suporte
para fortalecer o pensamento revolucionário, ou seja, o Marxismo. As
deturpações eram inúmeras, chegando a a comparar Nosso Senhor
Jesus Cristo a um líder revolucionário como Luiz Carlos Prestes ou
Fidel Castro.
Demoraram
alguns preciosos anos para que o Magistério da Igreja condenasse
formalmente a Teologia da Libertação através de documento oficial.
Depois desse documento2,
a grande maioria do Clero e dos leigos mudara o seu discurso, Os
únicos que ainda usam desse pensamento são os religiosos de alguns
institutos religiosos, mas mesmo assim de forma velada.
Mas,
se o Clero e os religiosos pensavam dessa forma naquela época, então
é claro que os leigos fossem colocados na mesma cartilha.
Recentemente, entendeu-se que o que era atribuído como culpa da
Teologia da Libertação no tocante a certa simplicidade exagerada,
na realidade era fruto do pensamento proposto no Pacto das
Catacumbas, feito por alguns bispos no fim do Concílio Vaticano II.3
Daí
afirmar o “mais” do Congregado representou uma ruptura com o
pensamento pastoral reinante. E um ruptura benéfica, como se viu
mais tarde.
Mas
um dos problemas que as Congregações Marianas tinham com os párocos
da época foi justamente afirmar esse “maioridade” dos
Congregados perante os demais leigos.
Na
leitura marxista, ou revolucionária, não há maiores nem menores,
mas todos são iguais. Os clérigos e leigos usavam da Escritura para
fundamentar esse pensamento. Dizer que os Congregados marianos eram
“mais” do que os demais contrariava o pensamento revolucionário
implantado por padres e religiosos em praticamente todos os níveis e
áreas do apostolado leigo. A quase totalidade das paróquias pensava
dessa forma e ver Congregados em procissão solene nas festas
marianas era visto como uma afronta por muitos, e inclusive padres.
Não
se sabe ao certo se foi por causa dessa mentalidade socialista que as
Congregações Marianas do Brasil tiveram certas atitudes, como, por
exemplo, trocar o material das medalhas de Congregado da prata para o
alumínio barato, realizar as reuniões de Congregação em círculo
e sem a proximidade de um altar mariano, o desuso crescente de roupas
melhores em cerimônias da Congregação Mariana (como paletó e
gravata) e etc.
Mas
pouco a pouco, após a Condenação da TL pela Igreja e o silêncio
dos párocos sobre o assunto, aliado à chegada de novos sacerdotes
que, ou estavam cansados dessa “visão humana” do Evangelho ou
foram formados sem a influência do Pacto, as Congregações Marianas
recomeçaram a pensar o “sinal mais”.
Nos
anos 1990, com a oportunidade da nova Regra de Vida, houve
aproximação dos Congregados marianos com padres jesuítas para
aprender mais sobre a tão falada “espiritualidade inaciana” que
era citada nas Regras.
Os
sacerdotes jesuítas se mostraram alegres com os novos interessados
nos Exercícios Inacianos, pois os alunos de Colégios Jesuítas e os
membros das CVX não estavam sendo plateia muito fiel. E, se tem
algum cristão que é fiel à Igreja, esse é o Congregado mariano.
No
contato com a Espiritualidade Inaciana, os Congregados viram que a
antiga frase “cristão com sinal mais” era de raiz inaciana, isto
é, idealizada pelo próprio Santo Inácio de Loyola e, portanto,
fiel à espiritualidade inaciana tradicional das Congregações
Marianas:
Magis é um termo em latim
que quer dizer o mais, o
maior, o melhor. Palavra muito utilizada por Santo
Inácio de Loyola, quer dizer que sempre podemos experimentar um
avanço em relação àquilo que já fazemos ou vivemos. A própria
vida de Inácio foi um peregrinar em direção ao magis,
à sempre maior glória de Deus, ao serviço sempre mais fiel aos
pobres, ao bem mais universal, aos meios apostólicos mais eficazes.
Assim, a pessoa que vive e se deixa impelir pelo magis
é alguém que nunca está satisfeito com a realidade existente.
Porque tem o impulso de descobrir, redefinir e alcançar o magis.
Aquele que deseja encontrar o magis
deve buscar, descobrir e arriscar-se na superação do já conhecido,
do definido e do esperado, em vista sempre do bem maior, do amor
maior, do mais justo.4
Qual
não foi a alegria dos Congregados marianos em saber que nunca haviam
se distanciado de Santo Inácio, como muitas vezes foram criticados e
qual não foi a surpresa dos jesuítas modernos (que só conheciam as
Congregações Marianas pela fama) em saber que aquelas antigas
associações marianas preservaram a espiritualidade inaciana por
tantos séculos.
Apenas
uma novidade: os jesuítas atualmente essa visão de busca de
santidade de “magis”:
Característico da espiritualidade inaciana é a sua capacidade de
fazer sair o melhor de cada um, através do aprofundamento do mundo
interior da pessoa onde o próprio Deus habita e se revela. O magis
(o ser mais) não é a perfeição segundo uma qualquer regra
ou medida, mas o mais que é único em cada pessoa,
onde as três dimensões da vida se encontram: o amor a Deus, o
serviço ao próximo, e a felicidade de sabermos que estamos no
caminho certo. Passa menos pela pessoa decidir que esforço quer
oferecer a Deus, mas por em primeiro lugar se pôr à escuta:
“Senhor, aqui estou! Onde queres que Te sirva?”5
Então, o Congregado mariano é um “cristão magis”!
Congregações Marianas são lugar para os que querem ser mais. Se
você quer ser mais do que os que apenas cumprem o preceito
dominical, então seu lugar é em uma Congregação Mariana, criada
pelos jesuítas a abrigar para sempre os “magis” de Santo Inácio.
Salve, Maria!
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1-
Teologia da Libertação é um movimento supra denominacional e
inclusiva de teologia política, que engloba várias correntes de
pensamento que interpretam os ensinamentos de Jesus Cristo em termos
de uma libertação de injustas condições econômicas, políticas
ou sociais. A TL se tornou um movimento internacional e
interdenominacional, porque absorveu crenças das religiões do
Oriente, da Umbanda, do Espiritismo, do Islamismo e do Xamanismo.
Embora a mesma tenha se iniciado como um movimento dentro da Igreja
Católica, na América Latina nos anos 1950-1960, o termo foi
cunhado em 1971 pelo peruano padre Gustavo Gutiérrez, que escreveu
um dos livros mais famosos do movimento: “A Teologia da
Libertação”. Outros expoentes são Leonardo Boff do Brasil, Jon
Sobrino de El Salvador, e Juan Luis Segundo do Uruguai. A TL desde
os anos 90 sofreu um forte declínio, principalmente devido ao
envelhecimento de suas lideranças, e a falta de participação das
recentes gerações nesse movimento. A influência da TL diminuiu
após seus formuladores serem condenados pela Congregação para a
Doutrina da Fé em 1984 e 1986.
2-
Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé - Instrução sobre
a liberdade cristã e a libertação – Libertatis
conscientia (Instructio de libertate christiana et liberatione),
22/3/1986
3-
O Pacto das Catacumbas foi um documento redigido e assinado
por quarenta padres participantes do Concílio Vaticano II, entre
eles muitos bispos latino-americanos e brasileiros, no dia
16/11/1965, pouco antes da conclusão do concílio, após a
eucaristia na Catacumba de Domitila, daí o nome. Por este documento
de 13 itens, os signatários comprometeram-se a levar uma vida de
pobreza, rejeitar todos os símbolos ou os privilégios do poder e a
colocar os pobres no centro do seu ministério pastoral.
Comprometeram-se também com a colegialidade e com a
corresponsabilidade da Igreja como Povo de Deus, e com a abertura ao
mundo e a acolhida fraterna. Este pacto influenciou a nascente
teologia da libertação e os rumos da Segunda Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano, realizada em Medellín.
4-
O Magis Inaciano, impulso para que a humanidade viva –
Carlos Rafael Cabarrús, SJ, Revista de Espiritualidade Inaciana,
edição de junho/2004
5-
Joseph Tetlow, SJ
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