O Tesourinho Espiritual
Alexandre Martins,
cm.
Muito
se tem repetido das raízes inacianas das Congregações Marianas e
de sua espiritualidade.
Em
tempos como os nossos aonde pipocam comunidades católicas em todo o
canto, muitos católicos ficam buscando espiritualidades e carismas
especiais para que possam ter uma visão mais pessoal da vida cristã.
Uma
palavra em moda é “carisma”. Sempre que um grupo, movimento ou
comunidade surge no ambiente eclesial logo vem a pergunta: “qual o
seu carisma?”
Se
as Congregações Marianas surgiram da Companhia de Jesus, como o
foram realmente, então é claro que o modo de ver a vida cristã
será através do proposto por Santo Inácio de Loyola em seus
Exercícios Espirituais.
Em
uma de suas meditações, santo Inácio indica uma espécie de
tabela1
para anotarmos as vezes que caímos em certos pecados. Essa tabela é
feita diariamente e, segundo o santo, é uma forma de podermos ver o
quanto estamos ou não progredindo na virtude.
É
dessa atitude ensinada nos Exercícios Espirituais que surge a
prática do Tesourinho Espiritual.
Não
se sabe ao certo quando ele foi introduzido nas Congregações
Marianas mas pode se concluir que, por ser prática comum nos antigos
jesuítas de então, seu uso foi imediatamente seguido pelos
primeiros Congregados.
Um
registro do uso comum dessa prática se lê na História das
Congregações da China, aonde, na festa da Padroeira, os Congregados
colocavam várias cadernetas amarradas em forma de pacotes aos pés
do altar. Eram aonde tiveram anotado seus atos de piedade e de
sacrifício em honra da Virgem Maria.
No
Brasil , essas tabelas ou anotações receberam o nome de “Tesourinho
Espiritual”. Esse nome é característica do Brasil, embora ouros
países também o adotassem como forma de obedecer o proposto por
Santo Inácio de Loyola. A partir dos anos 1930, a Federação de São
Paulo foi a primeira em confeccionar fichas aonde numa tabela com os
dias do mês e a lista de práticas de piedade seriam anotadas pelo
Congregado diariamente.
O
sucesso foi enorme. Tornou-se como uma característica do verdadeiro
Congregado mariano usar o Tesourinho Espiritual. Em outras
Federações, como a do Rio de Janeiro, havia um momento especial nas
reuniões diocesanas para que cada Congregação informasse a soma de
todos os seus atos de piedade daquele mês. A relação era publicada
nas revistas das Congregações e boletins2
da Federação, indicando qual a Congregação Mariana que tinha tido
mais frequência à Santa Missa, ao Rosário, etc.
Dom
Rafael Llano Cifuentes3
contava como era ele mesmo rígido com seus amigos Congregados quando
recebia deles os tesourinhos: ele era o secretário de sua
Congregação Mariana na Espanha e era uma de suas funções receber
as fichas dos membros para que pudesse fazer um resumo e apresentar
em público. Ele dizia que era comum suas repreensões aos demais
Congregados pela pouca oração ou pouca piedade que mostravam em
seus tesourinhos. O bispo sempre ria quando contava suas memórias de
jovem Congregado mariano.
Com
as novas espiritualidades que surgiram no ambiente pastoral após o
Concílio Vaticano II, muitas atitudes piedosas caíram em desuso. A
prática do Tesourinho Espiritual foi uma delas.
As
Congregações Marianas do Brasil tiveram grande redução de
Congregados nos anos 1970 e a alguns diretores ocorreu um certo
receio de exigir muita coisa aos Congregados que haviam permanecido.
Era medo que, com uma exigência que não estava mais em uso na
Igreja, mesmo estes também poderiam deixar as Congregações
Marianas para ingressar em outra associação mais “fácil”. Era
uma época de relaxamento nas obrigações religiosas. Com esse
gesto, os Congregados marianos que ingressaram nos anos 1980 em
diante não foram educados nessa prática inaciana. Com o tempo, o
Tesourinho Espiritual virou coisa de um passado distante. No início
dos anos 1990 ainda era possível ver pilhas de folhetos de
Tesourinho na sede da Confederação Nacional em caixas, todas sem
uso e amareladas.
O
Tesourinho Espiritual é de grande utilidade para a vida espiritual
do Congregado mariano e não uma relíquia dos “bons tempos”.
Quem discorda é porque nunca o usou adequadamente. A indicação de
Santo Inácio, aperfeiçoada pelos padres jesuítas, sempre foi uma
característica do progresso espiritual individual do Congregado
mariano.
A
prática é simples: ao fim do dia, nas orações da noite, o
Congregado mariano anota as suas atividades do dia. É um complemento
ao Exame de Consciência diário – outra característica inaciana4
da vida espiritual do Congregado mariano5.
A
Santa Missa é o primeiro item a ser anotado. Um Congregado mariano
ideal6
tem sua Comunhão eucarística diária. A Igreja7
sempre recomendou isso. Se alguém deseja a perfeição, o primeiro
passo é frequentar a Mesa Eucarística frequentemente.
Em
seguida, a Confissão, o Sacramento da Penitência. O Congregado
mariano ideal se confessa8
regularmente toda a semana. Não é abusar do sacramento, como alguns
podem acreditar, mas estar atento à pureza do próprio coração.
Com exemplo, lembremos que são Luiz Gonzaga confessava-se todos os
dias antes da Missa.
Mesmo
se não houver Comunhão Eucarística, não deve o Congregado deixar
sua Missa diária. Vários homens, como o famoso escritor J.R.R.
Tolkien9
eram adeptos da Missa diária.
A
meditação que é citada no Tesourinho são os quinze minutos
diários que o Congregados separa para pensar e se aprofundar no
Mistério da Fé.
Algum
ciclo de Mistérios do Santo Rosário e o Pequeno Ofício da
Imaculada Conceição podem ser rezados diariamente em substituição10
um do outro. Ambos agradam à Virgem Maria, pois diz a tradição
que, se na recitação do Terço oferecemos rosas à Virgem, na
prática do Pequeno Ofício a Mãe de Deus fica de joelhos.
Visitas
ao Santíssimo Sacramento se durarem mais de trinta minutos11
possuem indulgências. Mas alguns minutos em oração ou ou apenas
adoração perante o Tabernáculo já valem para anotação no
Tesourinho.
As
esmolas e outras obras de caridade ou misericórdia corporal também
são anotadas pois demonstram nosso despendimento material e amor ao
próximo.
As
novenas, trezenas, tríduos e outras espécies de preparações
espirituais prévias para as festas e solenidades litúrgicas mostram
nossa preocupação com a Liturgia e o culto aos santos, por isso são
também assinaladas.
As
Orações da Manhã e as da Noite são importantíssimas: acordamos e
dormimos com o pensamento em Deus. Na Oração da Manhã temos mais
um dia a ser dedicado a Deus e à noite agradecemos os benefícios
divinos e pedimos perdão por nossas faltas, dormindo na pas. São
também anotadas.
As
jaculatórias, por serem várias ao dia podem ser marcados com um
sinal ou até em numeral, Há os que contam quantos atos de amor seus
lábios ou seu coração dispensaram a Deus ou aos santos durante o
dia...
A
Leitura Espiritual, tão querida dos Congregados marianos, é
assinalada e demonstra o quão estamos dedicados a aprender a
Doutrina da Salvação e a escutar o que Deus nos quer dizer.
O
apostolado é marcado para que possamos saber se durante os dias de
trabalho da semana nos preocupamos em levar Deus ao próximo ou as
obras de apostolado ficariam restritas aos fins de semana ou somente
aos dias de reunião da Congregação Mariana.
Os
sacrifícios também são contabilizados. Por que saber a quantidade
se dizem que não devemos nos envaidecer de nossas boas obras?
Justamente porque necessitamos saber se aquela situação de angústia
foi entendida por nós como uma oportunidade de mortificação, de
aceitação da Vontade de Deus ou foi encarada com revolta ou mágoa.
Assinalar os sacrifícios do dia quer dizer que podemos aprender com
a Cruz de cada dia, unindo nossos sofrimentos diários a Jesus no
Calvário.
As
Reuniões e atos da Congregação Mariana devem ser marcados porque
assim poderemos ver se as demais obras de piedade e caridade são
somente restritas aos dias de reunião ou fazem parte de um dia a dia
que deseja mais do que somente a busca do “pão nosso”.
Em
outras lacunas pode o Congregado mariano, com a ajuda e orientação
de seu diretor espiritual, inserir outras marcações que serão mais
específicas para sua vida e a sua busca pessoal da santidade.
O
Tesourinho Espiritual é uma das provas de que as Congregações
Marianas são escolas de santidade, são casas com um piso mas sem um
teto, isto é, tem o básico a oferecer e exigir mas não possuem
limites para o crescimento de cada um. Cada um de nós pode crescer
em santidade e amar ao próximo o quanto desejar e puder. É uma
prática que não existe em nenhuma outra associação católica. É
uma característica especialmente das Congregações Marianas.
Em
conclusão: façamos diariamente as anotações no Tesourinho
Espiritual. Ele será para nós realmente o nosso tesouro, e assim
poderemos dar um presente valioso à Virgem Maria, como os antigos
Congregados marianos da China.
Virgem
prudentíssima, rogai por nós!
__________________________________________________
1-
Santo Inácio de Loyola, “Exercícios Espirituais”, artigo 24,
tradução do autógrafo espanhol por Joaquim Abranches, SJ, Ed.
Loyola, São Paulo, SP, 1985 pág. 31.
2-
Boletim da Federação das CCMM do Rio de Janeiro, março-abril,
1938.*
3-
bispo-emérito de Friburgo (RJ), escritor e orador.
4-
ibid. 1
5-
Manual dos Congregados, edição oficial da CNCMB.
6-
Regra de Vida 12, Constituição Bis Saecularii §4
7-
“A Igreja vive da Eucaristia. Esta verdade não exprime apenas uma
experiência diária de fé, mas contém em síntese o próprio
núcleo do mistério da Igreja.” - Carta Encíclica Ecclesia de
Eucharistia do Papa João Paulo II
8-
Regra de Vida 21
9-
White, M. in “Tolkien: uma Biografia”, Rio de Janeiro, RJ, Imago
Ed. 2002
10-
VI Assembléia Nacional das CCMM, 1956.
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