O Cerne Duro
Alexandre Martins, cm.
Algumas
expressões idiomáticas do Espanhol são utilizadas quando em vez em
nossa língua e dão um ar de “novo àquilo que já conhecemos por
outro nome.
“Cerne
duro” pode ser entendido como “núcleo” ou popularmente como “a
panela”.
Há
“panelas” em todas as associações, sem exceção. São aqueles
que se dedicam integralmente à Causa, que a abraçam sem restrições.
Associações eclesiais e seus núcleos
Nas
associações da Igreja há sempre uma “panela”: na Canção Nova
são os que vivem com suas famílias em casas da associação
formando a comunidade física em torno do fundador, monsenhor Jonas
Abib. Eles cantam, pregam (coisa estranha a um leigo), viajam às
custas das doações dos benfeitores e o que arrecadam revertem para
a comunidade. Vivem exclusivamente para isso homens, mulheres e
crianças. Famílias inteiras.
No
Opus Dei, são os chamados “numerários”, ou seja, homens e
mulheres, jovens e adultos, que deixaram suas famílias para viver em
casas preparadas, separados por gênero, aonde moram, rezam reúnem
os chamados a assistir as palestras proferidas por algum sacerdote da
Obra, em um cômodo convertido em capela. Todos os numerários
trabalham preferencialmente no magistério, doando integralmente seus
altos salários para o Opus Dei, pois a maioria tem doutorado em suas
áreas.
No
Movimento de Vida Cristã, os chamados “sodálites” vivem em
celibato em comunidades e se dedicam a obras que os superiores do
Movimento decidem criar ou desenvolver. Suas despesas são pagas pelo
Movimento.
Como
se percebe, em todos os movimentos e associações eclesiais ditas
“eficientes” da Igreja existem o “cerne duro” ou a “panela”.
São eles que motivam os demais membros a se organizarem e mantém o
ânimo de cordo com o ideal ou o carisma da Associação.
Um
detalhe importante: sempre há sacerdotes unidos a eles, e não
somente clérigos, mas pessoas que são imbuídos ou mesmo formados
dentro das associações, que tiveram sua vocação despontar dentro
dela e, por isso, sentem que possuem uma dívida pessoal com a
associação.
Nas Congregações Marianas
Nas
antigas Congregações Marianas existiam aqueles que eram os mais
fixos, em geral os que foram os primeiros Congregados, os fundadores.
Antes do Concílio Vaticano II, algumas Congregações Marianas do
Canadá1
resolveram criar uma seção especializada dentro delas, à qual
chamaram de “Sociedade Leunis”, em memória ao criador das
Congregações Marianas. Essa seção, composta exclusivamente por
Congregados, se dedicava a uma vivência mais profunda dos Exercícios
Espirituais. As Congregações Marianas de antigamente possuíam seu
“cerne duro”.
Isso
não acontece mais com as Congregações Marianas.
Com
a mudança das Regras Comuns para os Princípios Gerais, houve uma
perda de continuidade das primeiras Congregações Marianas para as
chamadas Comunidades de Vida Cristã. A maioria esmagadora dos
Congregados marianos não se viu representada em uma espiritualidade
que pouco refletia o que tinha sido vivido até então e deixaram as
Congregações Marianas que haviam se transformado em diferentes
grupos. Com isso, aquele núcleo que existiu e era o mantenedor da
obra foi partido ao meio e alguns até acabaram por completo. O que
não quer dizer que perderam a Fé ou o entusiasmo apostólico, pois
muitos migraram para outras associações ou movimentos ou ainda
foram fundadores de novas associações.
O
dado importante e terrível foi que as Congregações Marianas, em
sua maioria, perderam o seu “cerne duro”, a sua “panela”,
formada por homens e mulheres que viviam intensamente o carisma da
Consagração à Maria nas Congregações Marianas. Sem esta parcela
de Congregados que viviam, pensavam e respiravam a atmosfera
autêntica das Congregações Marianas, cedo ou tarde as mesmas
começaram a perder suas características e sua identidade.
Aonde
buscar os exemplos de vida dos que passaram pelos mesmos problemas
que nós? Aonde tirar dúvidas que todo o aspirante tem? Como olhar
para o lado e ver alguém que tem sua medalha antiga e uma atitude
serena de quem estava ali até mesmo antes de nascermos?
Não
havia mais “cerne duro”, não havia mais “panela”. Não havia
alguém que sentia a espiritualidade católica pelo prisma de Santo
Inácio e que não tinha nenhuma afetação de fora.
Quando
não há essa “turma do interior”, não há as verdadeiras
Congregados, ma existem os que “também são Congregados”, isto
é, os que são participantes de outras espiritualidades e movimentos
e, nas horas vagas, visitam a Congregação Mariana.
Daí
é que surgem as incompreensões e letargias no apostolado. É como
se alguém estivesse conversando conosco mas seu pensamento está
longe. Não está acompanhando nossa conversa. Da mesma forma que
esta situação não leva a lugar nenhum, a pessoa que está em uma
Congregação Mariana e não absorve completamente o estilo de vida
do Congregado não terá o desenvolvimento adequado nem para si e
muito menos para a própria associação.
Uma utilidade urgente
Certamente
nem todos os Congregados marianos podem ser do tipo “dedicação
integral”. Muitos estão na Congregação Mariana para adquirirem
formação adequada para seus apostolados, outras como uma devoção
interior e etc. Mas toda a Congregação Mariana deve ter sua
“panela”, o seu “núcleo”, o seu “cerne duro”. Estes
“escolhidos” sim, devem respirar a Congregação Mariana, suas
tradições e ação. Devem amá-la acima de qualquer outra coisa
pois sabem que estão em uma estrada pavimentada e bem sinalizada
rumo ao Céu. São estes que manterão a Congregação Mariana
funcionando adequadamente; são estes que formarão seus sucessores;
são estes os que serão vistos como exemplo para os demais; são
destes que naturalmente surgirão os diretores em cada eleição
interna.
Se
uma Congregação Mariana são tiver em seus quadros ao menos três
ou quatro Congregados assim, então estará fadada ao fracasso e ao
fechamento, mais cedo ou mais tarde. A experiência nos ensina isso.
Não
é impossível que existam pessoas com essa dedicação. Há os que
se identificam por completo com as Congregações Marianas e o seu
jeito de ser Igreja. Não querem ser outra coisa senão um Congregado
mariano. São esses que mantém a Congregação Mariana aberta e
funcionando.
São
também esses que mantém a Congregação Mariana quando da mudança
do Assistente Eclesiástico. Eles são os primeiros a receber o novo
sacerdote, explicar a ele a vida da Congregação Mariana, das formas
de agir dentro dela de acordo com nossa tradição. O sacerdote vê
nesse grupo os seus cooperadores mais fiéis e imediatos.
Existir
uma “panela” em uma Congregação Mariana não é “impedir o
progresso” como se pode pensar a princípio, mas fazer com que a
vida da Congregação Mariana não saia dos eixos e se
descaracterize. Talvez seja uma dádiva da Virgem Maria às suas
Congregações que isso não ocorra.
Que
a Virgem Mãe das Congregações mantenha os seus filhos preferidos
no comando de suas centenárias associações.
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1-
Alberton, Valério, SJ – in “Estudo sobre os Princípios Gerais
das CCMM” - Federação das CCMM de Curitiba, PR, 1967
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