Padres quarentões e Congregações quatrocentonas
Alexandre Martins, cm.
Um
grupo de Congregados marianos brasileiros colocou na Internet um
anúncio que dizia: “Estamos à disposição dos senhores
sacerdotes para a fundação de novas Congregações Marianas em
paróquias, capelas, asilos, orfanatos, etc.” O simpático anúncio
dava informações de contato do grupo de valentes “fundadores
missionários” e outras informações.
Os
que leram alguma coisa sobre a História das Congregações Marianas,
quando chegam ao capítulo sobre a “Onda Azul” se maravilham com
a profusão de Congregações Marianas pelo Brasil nas décadas de
1920 e 1930 e então se perguntam: “por que nunca mais tal fenômeno
aconteceu”?
A época conturbada
Com
o passar dos anos após o Concílio Vaticano II, muitas comunidades
católicas foram criadas - parte em obediência ao proposto1
e sugerido pela Constituição sobre o Apostolado dos Leigos, parte
por uma insatisfação que surgiu no Ocidente após as manifestações
na França em 1968.
O
mundo sempre foi injusto e os pobres e as minorias sempre foram
perseguidos. Mas , a partir da década de 1960 mais e mais surgiu um
sentimento de insatisfação como que se via acontecer. As
manifestações estudantis na Sorbonne, as passeatas pelos direitos
dos negros nos EUA, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade no
Brasil e tantas outras foram o retrato de uma época de esperança em
dias melhores e com mais justiça social. E todas iam de encontro ao
Sistema vigente.
A
promulgação da Apostolicam Actuositatem foi o motivo a mais
para que dentro da Igreja essa insatisfação tivessem “amparo
legal”. Não se precisava mais de aprovação eclesiástica para
qualquer folheto de oração (o Concílio de Trento foi muito
rigoroso em relação a isso) mas cada leigo era um “missionário
em potencial” e, como se sabe, em terras de Missão, o missionário
tudo pode pois vê o bem da Igreja e das almas dos pagãos a serem
salvas.
Pronto!
Insatisfação com a Estrutura social injusta e autorização da
Hierarquia para fazer “o que deveria ser feito”.
Claro
que anos depois o papa Bento XVI afirmaria2
que o Concílio havia sido mal interpretado. Mas, naquela época,
quem haveria de ser contra? Padres jogavam fora as batinas, freiras
usavam minissaia, leigos colocavam guitarra elétrica nas novas
“Missas para Jovens” e as associações tradicionais foram
perdendo pessoas para os novos grupos católicos que surgiam.
Então,
nada mais de Congregados de paletó e gravata nem Filhas de Maria de
blusa comprida e meia-calça, mas grupos de calças jeans sentadas na
grama dos conventos tocando um animado violão como Chico Buarque.
Era a época dos Festivais Internacionais da Canção, transmitidos
aos centros urbanos brasileiros pela TV Record de São Paulo. Que
bonita a alegria desses jovens que poderia ser uma alegria a ser
levada para as paróquias...
Em
1978, dez anos após a Sorbonne e antes do Pontificado de João Paulo
II, surgia no interior de São Paulo, bem pequeno, um movimento
chamado “Canção Nova”. Era mais um dos vários movimentos de
leigos surgidos dessa insatisfação/rebeldia pós-Vaticano II, assim
como Kiko Arguello havia feito no Peru, tocando violão de casa em
casa. A Canção Nova, criada por um padre salesiano começou
organizando retiros para leigos no sistema da RCC (era um dos motes
conciliais: “leigo ensina leigo”) e anos depois se desenvolveria
em uma poderosa organização católica, com famílias vivendo dos
lucros de venda dos produtos manufaturados e de doações, com
reconhecimento canônico que alçou aquele grupo de jovens a uma
Comunidade Eclesial, com o padre fundador nomeado monsenhor.
Querendo ser igual ao homem de sucesso
Um
caso de sucesso? Sim, claro, isso é incontestável.
Mas,
como tantos outros que também tiveram fama e mídia, serviu para
exemplificar aos demais sacerdotes que havia uma possibilidade real
de serem fundadores de algo novo, assim como são Francisco de Assis
no século XIII, santo Inácio de Loyola no século XVI e de são João
Bosco no século XIX. Monsenhor Jonas Abib havia feito algo
igualmente grandioso e inédito no século XX, e ainda por cima no
Brasil, tão pobre de atitudes assim.
Uma
boa parcela dos sacerdotes, quando tem seus 40 anos, ou mesmo antes
disso, quer deixar a sua “Marca de passagem” na história da
Igreja. Alguns fazem templos grandiosos, outros promovem devoções
esquecidas, etc. Mas há alguns que querem ser fundadores de algo
como foi monsenhor Jonas.
Daí
que retornamos ao que se pergunta o leitor da História das
Congregações Marianas: “por que não há mais Onda Azul?”
A
resposta é simples: porque as Congregações Marianas não são
novas. Nada há que, à primeira vista, possa colocar o sacerdote em
uma posição de relevância para a História.
Para
piorar as coisas, na reforma das Regras em 1967 o sacerdote que antes
era o Diretor da Congregação Mariana, todos os poderes, agora é um
“assistente”. Um Assistente Eclesiástico, mas apenas um
assistente, pois toda a direção cabe aos leigos. E, na “reforma
da reforma”, em 1994, no texto da Regra de Vida em uso no Brasil,
todo o governo cabe aos leigos e o sacerdote3
dirige a Congregação Mariana como dirige “qualquer outra
associação na sua paróquia”.
Vemos
aqui, se um sacerdote quiser, “por seu nome na História” não
será através da fundação ou direção de uma Congregação
Mariana.
Sabendo fazer
Então
nunca mais uma Onda Azul?
Depende
do espírito pastoral do sacerdote. Pois, se tomarmos como exemplo o
jesuíta Alberto Hurtado, vemos que a Congregação Mariana de
Munique (Alemanha) tem sua história dividida em “antes” e
“depois” de seu padre-diretor. Seu trabalho foi admirável e
exemplar, usando da Congregação Mariana para o bem de tantas almas
– Congregados ou não – em uma época difícil para a Igreja: a
Segunda Guerra Mundial. E ainda com esse trabalho conseguiu a honra
dos altares, sendo canonizado por outro Congregado, o papa João
Paulo II.
Que
a Rainha dos Sacerdotes coloque nos corações dos pastores o santo
desejo de promover as suas Congregações Marianas para o bem de toda
a Igreja.
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1-
“os leigos têm o direito de fundar associações,
governá-las, e, uma vez fundadas, dar-lhes um nome” - AA, 19.
2-
“Os problemas da recepção [do Vaticano II] nasceram do fato que
duas hermenêuticas contrárias se acharam em confronto e discutiram
entre si. Uma causou confusão, a outra, silenciosamente, mas sempre
mais visivelmente, trouxe e traz frutos”.(papa Bento XVI, Discurso
à Cúria, 22/12/2005)
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