Sálvio Huix, um seguidor de S. Filipe
Alexandre Martins,
cm.*
Durante
a Guerra Civil Espanhola, vários membros da Congregação do
Oratório de São Felipe Neri deram a vida para testemunhar sua fé
em Deus. Entre as vítimas daquela onda de violência que investiu
sobre a Espanha depois do estouro da Guerra Civil em julho de 1936
encontramos também o bispo oratoriano Sálvio Huix Miralpeix de
Lérida (hoje Lleida).
Infância
Nasceu
aos 22 de dezembro de 1877 em Santa Maria Margarida de Vellors na
diocese de Vic, na região da Catalunha, cerca de setenta quilômetros
ao norte de Barcelona, Espanha. Seus pais provinham de ilustres
famílias locais de longa tradição de fé que haviam dado
sacerdotes à Igreja.
Sálvio
cresceu numa atmosfera doméstica onde a fé em Deus e o amor à
Igreja e ao Papa eram naturais e espontâneos. Sua família era
proprietária de uma ampla fazenda agrícola, uma antiga casa catalã,
da qual fazia parte também uma capela dedicada à Nossa Senhora do
Carmo.
Nutrido
por este espírito de religiosidade bem cedo Sálvio amadureceu a
decisão de se tornar sacerdote. Seguiram-se quatorze anos de
estudos (1889-1903) no Seminário menor e maior de Vic, onde Huix se
exercitou ainda muito jovem a uma vida de oração, de escuta da
vontade de Deus, de obediência incondicionada, de estudos e de
apostolado. O seminarista Sálvio era um aluno modelo, que não se
esforçava só em cumprir formalmente o seu dever de estudar, mas
sobretudo procurava amadurecer interiormente, para se preparar melhor
ao serviço das almas.
Sacerdote
Sálvio
Huix tinha quase 26 anos quando, em 19 de setembro de 1903, o Bispo
Torrás y Bages o ordenou sacerdote. De início, seu Bispo fez dele
o capelão em diversas paróquias da Diocese, onde Sálvio se
prodigalizou no anunciar às gentes o Cristo crucificado e
ressuscitado e no reconduzir os homens, por meio dos sacramentos da
Igreja, a uma sempre mais profunda relação com Cristo.
Naqueles
tempos a Congregação do Oratório de São Felipe Neri de Vic,
fundada em 1723 e ainda hoje existente, era um famoso centro de
espiritualidade, cuja obra de apostolado abrangia um raio de ação
que ia muito além da cidade de Vic. A Congregação do Oratório -
comunidade de sacerdotes seculares sem votos particulares - é uma
sociedade de vida apostólica de direito pontifício, que se propõe
servir a vida apostólica da Igreja unindo ação e contemplação.
Padre Adjutório, um tio de Sálvio, fora membro desta Congregação
do Oratório, e o povo dos fieis de Vic conservava dele uma boa
lembrança até hoje.
Aos
poucos, amadureceu em Huix a decisão de querer trabalhar por Cristo
“até a morte”. A vida no Oratório parecia-lhe como um
pressuposto ideal para se dedicar intensamente aos cuidados das almas
e assim, com a idade de trinta anos, pediu para ser aceito no
Oratório de Vic. Após quatro anos de experiências pastorais em
diversas paróquias, Sálvio Huix começou, portanto, a fazer parte
da Congregação do Oratório de Vic, na qual teria prestado sua obra
pelos vinte anos sucessivos. Férvido imitador de são Felipe Neri,
Sálvio passava diversas horas do dia confessando. Bem cedo seu
talento na direção das almas fez dele um dos confessores e
diretores espirituais mais requisitado da cidade, procurado,
sobretudo pelos jovens e pelos homens. Exercitava seu serviço com
paciência, sabedoria e espírito paterno.
Naquele
tempo, os oratorianos costumavam levantar às quatro e meia da
madrugada (aos domingos e dias festivos às quatro), e depois de uma
hora de meditação sentar no confessionário para ficar a disposição
dos fieis. Confessavam até a hora do almoço, sem interrupção
exceto quando houvesse de celebrar a Missa. De tarde e à noitinha
dedicavam outra hora à meditação, e depois confessavam ainda por
diversas horas. Não satisfeito, padre Sálvio empregava as poucas
horas livres que lhe restavam na visita aos doentes, receber lições
no seminário ou despachar as incumbências em nome da Congregação
do Oratório. Seu lema era: “Dormir pouco, orar muito e dedicar-se
sempre ao serviço das almas”.
Em
Vic era famoso por ter conseguido reconduzir aos caminhos da fé
alguns dos grandes pecadores; pessoas que haviam dado as costas à
Igreja.
Diretor de Congregações Marianas
Sua
excelente fama de confessor e grande diretor espiritual dos jovens
fez com que em 1919 padre Sálvio fosse nomeado diretor das
Congregações Marianas de Vic e dois anos depois Diretor Geral para
toda a Catalunha – algo como um Diretor de Federação.
Em
1923 organizou as celebrações para a coroação pública da imagem
de Nossa Senhora na planície de Vic. Naqueles anos fundou também a
Congregação da Puríssima Virgem Maria e de São José, para
conduzir os jovens pais de famílias a um mais profundo amor a Cristo
e a Igreja.
Bispo
Os
talentos do jovem padre oratoriano não demoraram a ser notados pelo
Bispo de Vic, que lhe confiou a formação espiritual dos
seminaristas. Por vinte anos, padre Sálvio foi docente no seminário
de Vic, onde ensinava Ascética e Mística. Deste modo contribuiu na
formação de uma geração inteira de sacerdotes.
Era
Prepósito do Oratório de Vic, quando em 1927 foi nomeado
Administrador Apostólico de Ibiza. Padre Huix deixou Vic entre
lágrimas dos seus filhos espirituais e foi sagrado Bispo aos 15 de
abril de 1928, escolhendo como seu lema as palavras do apóstolo
Pedro: In verbo tuo laxabo rete (“Na tua palavra lançarei a
rede”, Lc 5, 5 – em Latim). Seu lema de Bispo mostra claramente a
prioridade que ele daria ao seu ministério: ser entre os homens um
verdadeiro sucessor dos apóstolos e um bom pastor da Igreja. Ao
centro de seus esforços estavam: o seminário, o clero, a Ação
Católica, a organização dos exercícios espirituais, a devoção
ao Santíssimo Sacramento e à Virgem Maria.
Apóstolo Mariano
Pela
sua grande devoção a Nossa Senhora, Huix era chamado “o Bispo
mariano”. Por quanto se refere ao clero, o Bispo Huix se esforçou
para melhora as condições materiais e espirituais dos seus
sacerdotes. Sempre e por toda parte tentou faze com que os homens se
apaixonassem por Cristo.
Voltando
de uma viagem “ad limina apostolorum” a Roma trouxe para
cada um dos seus sacerdotes uma cópia do novo catecismo do cardeal
Pedro Gasparri. Ao voltar o Bispo escreveu uma carta, onde exortava
os seus diocesanos a serem firmes na fé:
“Nós nos sentimos... renovados e com firmados na fé, e
fielmente legados ao Santo Padre por meio de um amor filial...
prontos a uma fidelidade ainda maior, a uma fidelidade que nos anima
até a morte e, se necessário, com a ajuda da Graça divina, até o
martírio”. 1
Somente
poucos anos depois teria demonstrado concretamente sua fidelidade a
Cristo, seu amor a Deus, que o fazia pronto também para o martírio.
A Guerra
No
mês de setembro de 1923 o general Miguel Primo de Rivera (1870-1936)
assumiu o poder na Espanha – com explícito beneplácito do
monarca, rei Afonso XIII. A ditadura, porém faliu e, após a
vitória dos republicanos, Afonso XIII renunciou ao trono. Dia 14
abril de 1931 se formou um governo republicano provisório.
As
relações entre a Igreja Católica e o governo republicano
tornaram-se logo difíceis. No dia 11 de maio de 1931 foram
incendiados alguns conventos a Madri, Valença, Sevilha e outros
lugares da cidade, e o conflito entre a Igreja e o Novo Regime
recrudesceu. Alguns bispos “incômodos” foram exilados, a nova
constituição limitou grandemente os direitos da Igreja, algumas
ordens religiosas entre as quais os jesuítas, foram proibidas, os
cemitérios foram secularizados, foi introduzido o divórcio e os
crucifixos pendurados nas salas de aulas foram retirados. Os
protestos da parte dos exponentes da Igreja aumentaram por causa
deste regime de persecuções.
No
dia 28 de janeiro de 1935 Sálvio Huix Miralpeix foi nomeado Bispo da
diocese de Lérida, na Catalunha. Durante o breve período de tempo
que lhe foi concedido para ficar lá, o novo bispo procurou
fortalecer a Ação Católica e difundir a devoção ao Santíssimo
Sacramento. Poucas semanas antes do estouro da Guerra Civil conseguiu
ainda celebrar algumas Jornadas Eucarísticas, para fortalecer em sua
diocese a fé na presença real de Jesus Cristo no Sacramento do
altar. Uma das suas últimas fotografias mostra-o em companhia dos
alunos no jardim do Seminário.
As
eleições de fevereiro de 1936 apontaram como vencedor a Frente
Popular (o partido de Esquerda), que passou para um ataque que já
manifestava as formas de uma autêntica perseguição religiosa. Em
apenas seis semanas verificaram-se 199 roubos e agressões, das quais
36 ocorridas no interior das igrejas; contaram-se 178 incêndios, 106
dos quais atingiram algumas igrejas; outras 56 igrejas vieram
devastadas e saqueadas.
Dia
18 julho de 1936 o Exército e os nacionalistas se uniram para
combater esta revolução marxista, dando início à Guerra Civil
Espanhola2
.
A
maioria dos bispos, sacerdotes e crentes em geral aderiu aos
nacionalistas. Como resposta, o dia depois da insurreição dos
militares se desencadeou, em todas as partes do país controladas
pelas forças republicanas, uma guerra de represália contra os
sacerdotes. O conflito custou à igreja da Espanha um forte tributo
de sangue.
Mártir
No
dia 16 de julho de 1936 o bispo Huix celebra a festa de Nossa Senhora
do Carmo na capela da propriedade de sua família. Até 21 de julho,
quando os republicanos tomaram de assalto a cúria de Lérida, ainda
conseguiu continuar sua obra apostólica na diocese. Depois aceita, a
contragosto, fugir para se refugiar em casa de alguns conhecidos,
principalmente para salvar os seus colaboradores. Quando, porém,
toma conhecimento dos riscos a que se expõem seus protetores,
abandona secretamente seu esconderijo na noite de 23 de julho e se
apresenta aos guardas declarando sua identidade.
Aprisionado
com os outros presos, partilha com eles os sofrimentos da prisão e
as secretas alegrias da oração e dos sacramentos, confessa às
escondidas os condenados a morte e dá-lhes a Comunhão Eucarística.
Todos estes homens morreram depois sob o chumbo do pelotão de
execução. Por causa da fé deles e dos seus empenhos, não menos de
4184, entre sacerdotes e seminaristas, 2365 frades e 283 freiras
foram assassinados, depois de terem sido caçados como animais.
Somente na diocese de Lérida foram mortos 270 sacerdotes, sobre um
total de 410.
Na
manhã do dia 5 de agosto - festa de Nossa Senhora das Neves,
padroeira de Ibiza - os prisioneiros foram acordados às três e meia
da madrugada. Fora-lhes dito que seriam levados para Barcelona, mas
poucos quilômetros depois o comboio parou ao cemitério, e foi claro
que foram levados até ali para serem fuzilados. Ao surgir do sol, o
bispo deu a todos a absolvição e pediu aos algozes de ser morto
por último, a fim de abençoar até o fim seus companheiros de
martírio. Este último desejo foi-lhe concedido, como testemunhou
depois um dos seus algozes. Até a morte, portanto, o bispo de Lérdia
permaneceu autêntico pastor de seu rebanho. Assim se cumpriu o que
escrevera anos antes aos seus diocesanos: “Com a ajuda da Graça
divina, queremos permanecer fieis a Cristo até o martírio”. Antes
de ser preso havia entregue sua cruz de bispo a um dos seus
conhecidos, pedindo-lhe de enviá-la ao Santo Padre, assegurando-lhe
de sua fidelidade à Igreja, pela qual se sentia disposto a dar a
vida.
Beatificação
Poucos
anos depois da morte violenta do bispo Huix, a diocese de Lérida
fez-se promotora de um processo de beatificação. Dia 27 de junho de
1952 foi entregue o decreto super scriptis. Dia 9 de junho de
1955 a Congregação pelas Causas dos Santos confirmou a validade do
inquérito informativo. Por fim, em 1998 pôde ser promulgada a
positivo sobre as virtudes do bispo mártir. Dia 27 de junho de 2011
papa Bento XVI autorizou a Congregação pela Causa dos Santos a
reconhecer por decreto o martírio do bispo Sálvio Huix Miralpeix.
Como se lê no decreto, o bispo foi assassinado “por ódio à fé”.
A
beatificação do bispo oratoriano e de outros 521 mártires se deu
no dia 13 de outubro de 2013 em Tarragona, Espanha.
Sálvio
Huix, um apóstolo mariano que soube utilizar as Congregações
Marianas para seu apostolado pelo bem das almas e da Igreja serve de
exemplo para os sacerdotes e bispos de hoje. Mais um Congregado
mariano nos altares, tanto pelo sangue derramado por Cristo quanto
pelo zelo em levar os corações ao amor à Virgem Mãe de Deus.
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FIEL ATÉ A MORTE, O novo Beato oratoriano Sálvio Huix
Miralpeix,Bispo mártir de Lérida (1877-1936) de Mons. Eduardo Aldo
Cerrato C.O., Bispo de Ivrea e Pe. Paul Bernhard Wodrazka C.O.,
Viena. Tradução do original italiano por Vito Nunziante.
1-
Tibau Duran, N.: El Excmo y Rvdm. P. Salvio Huix Miralpeix, C.O.,
Obispo de Lérida, Apuntes Biográficos, Lérida 1948, p. 115
2-
Considerada uma batalha ideológica entre adeptos do fascismo e do
socialismo de todo o mundo, a guerra civil espanhola teve início em
1936 com a revolta de líderes do Exército contra as crescentes
tendências socialistas e anticlericais do governo da Frente Popular
Republicana do presidente Manuel Azaña. Os insurgentes -
monarquistas, católicos e membros da Falange Fascista - foram
apoiados pela Alemanha e a Itália, que reconheceram o governo
instalado por Francisco Franco em outubro de 1936, quando a guerra
civil estava ainda em andamento. Os republicanos, que lutavam pela
permanência do governo de Azaña, legalmente constituído,
receberam apoio da União Soviética e de cerca de 60 mil comunistas
e simpatizantes de esquerda de todo o mundo, que formaram as
Brigadas Internacionais de voluntários. Embora apoiassem os
republicanos, Inglaterra e França optaram por uma política de
não-intervenção. Em três anos de acirradas lutas, período em
que Moscou terminou por retirar seu apoio às forças governistas,
estima-se em cerca de um milhão o número de perdas humanas.
Finalmente, em março de 1939, foi instaurado o regime autoritário
do Generalíssimo Franco, que permaneceu no poder até falecer, em
1975.