O Samurai de Deus
detalhe de ilustração da época do exílio, mostrando Takayama |
Alexandre Martins, cm.
Conhecido
como o "samurai de Cristo”, Justo Ukon Takayama foi um
bravo guerreiro, um grande evangelizador e um político honesto. Foi
um senhor feudal que preferiu abandonar seu país do que abandonar
seu Senhor Jesus Cristo.
Honra,
Justiça, Perfeição, Lealdade: estas são algumas das palavras
associadas aos Samurais - a classe guerreira do Japão feudal - e até
hoje sua influência é sentida no modo de viver e de pensar do povo
japonês.
Modelo
de fidelidade em um mundo de mudanças políticas, militar que
evitava o derramamento de sangue, Takayama poderia ser o primeiro
japonês nos altares sem passar pelo martírio.
A Evangelização do Japão
Entre
1542 e 1543 os portugueses pisaram no Japão. As atividades
missionárias iniciaram-se em 1549, realizadas por jesuítas ao
abrigo do Padroado. De início tiveram um enorme sucesso,
estabelecendo várias congregações. Mais tarde chegaram ao Japão
as ordens dos franciscanos e dominicanos. Francisco Xavier, Cosme de
Torres e o Padre João Fernandes foram os primeiros a chegar a
Kagoshima para o cristianismo, e chegou a existir 300 mil cristãos
no Japão.
Em
princípio, isso não afetava a política e o xogum que governou o
Japão de 1567 a 1582, Oda Nobunaga, chegou a incentivar o trabalho
dos jesuítas para enfraquecer a influência dos monges budistas, com
quem disputava poder político.
Os
jesuítas converteram vários Daimiô1
que em breve foram seguidos por muitos de seus súditos com os quais
os dominicanos e agostinianos foram capazes de começar a pregar.
Mas
o ideal de igualdade cristã contrastava com os hierarquia do Xogum.2
A
intromissão estrangeira em um país em guerras de unificação
incomodou as autoridades locais, e o catolicismo foi reprimido em
várias partes do país até ser proibido após a Rebelião de
Shimabara (1637) passando a ser celebrado em segredo na
clandestinidade pelos chamados kakure kirishitan.3
Em 1859, quando chegaram
ao Japão, missionários franceses descobriram que cerca de 60 mil
japoneses praticavam o cristianismo na clandestinidade. As
comunidades kakure kirishitan existem até hoje.
Os Samurais
Os
samurais surgiram como classe guerreira, na época feudal do Japão e
dominaram o país por quase oito séculos (século VIII ao
XIX). Ser um samurai era um prestígio social, uma vez que a classe
guerreira ocupava os mais altos cargos dentro do Xogunato4,
a ditadura militar nipônica. Inicialmente, a função do samurai era
apenas coletar impostos e servir ao Império. A partir do século X,
a figura do samurai toma forma e ganha uma série de funções
militares, alcançando seu ápice no século XVII. Por volta do
século X, foi oficializado o termo "samurai", e este
ganhou uma série de novas funções, como a militar. Nessa época,
qualquer cidadão podia tornar-se um samurai, bastando para isso
adestrar-se no Kobudo (artes marciais samurais), manter uma reputação
e ser habilidoso o suficiente para ser contratado por um senhor
feudal. Assim foi até o xogunato dos Tokugawa, iniciado em 1603,
quando a classe dos samurais passou a ser uma casta. Assim, o título
de "samurai" começou a ser passado de pai para filho.
O
samurai era de moral rígida. Se seu nome fosse desonrado ele
executaria o seppuku (o suicídio honrado) pois em seu código de
ética (o Bushido) era preferível morrer com honra a viver sem ela.
Pelo
fim da era Tokugawa, os samurais eram apenas burocratas
aristocráticos ao serviço dos Daimiô, com as suas espadas servindo
para fins cerimoniais. Com as reformas da Era Meiji, em 1868, a
classe dos samurais foi abolida. O Bushido, ainda sobrevive, no
entanto, na atual sociedade japonesa, tal como muitos outros aspectos
do seu modo de vida. Seu legado continua até nossos dias,
influenciando não apenas a sociedade japonesa, mas também o
Ocidente.
Infância
Takayama
nasceu em 1552, três anos após a chegada do Cristianismo no
introdutor do Japão, o missionário jesuíta São Francisco Xavier
(1506-1552).
Takayama
tinha 12 anos quando foi trazido ao castelo de Sawa um sacerdote
católico, a pedido de seu pai, o senhor Tomoteru, um homem com
inquietudes religiosas, que queria debater as virtudes do budismo com
um sábio cristão. Era 1564, e haviam passado já 15 anos desde que
um barco português atracou pela primeira vez no Japão.
Tomoteru
analisou com profundidade e com determinação a proposta cristã e
gostou, porque se batizou ele e sua casa. Seu filho Takayama (cujo
nome real era Hikogoro Shigetomo) recebeu no batismo o nome de
“Justo”.
Eram
tempos turbulentos. Os Takayama foram fiéis aos que foram os
vencedores dessa época: O clã Nobunaga primeiro; e quando este foi
assassinado, Toyotomi Hideyoshi, o grande unificador do Japão.
Um Samurai diferente
Justo
Takayama dirigiu exércitos, porém tentou limitar a perda de vidas;
tratou com os mais poderosos, mas se manteve sempre independente das
pressões e fiel a sua consciência.
Takayama
colocou sua riqueza e posição social ao serviço dos missionários
e, portanto, agiu como protetor dos cristãos e padres jesuítas. Ele
era um servo fiel dos xoguns.
Ao
ganhar novas terras e vassalos, assombravam a estes por conceder
elaborados funerais com ataúdes, bandeiras e procissões para
pessoas que não eram nobres.
Em
1576, com o sacerdote italiano Gnecchi Soldo, Ukon Takayama construiu
a primeira igreja de Kyoto, que durante 11 anos seria um centro
missionário do Japão. Dela hoje só sobrou o sino.
Em
1578, com 26 anos, sendo senhor do castelo Takasuki, o jovem samurai
cristão deu exemplo de seu caráter ao encontrar-se em uma
complicada encruzilhada. Sua irmã era refém do senhor Murashige,
que havia desgostado o poderoso Nobunaga. Murashige era convidado de
Ukon Takayama, mas um exército de Nobunaga foi ao castelo pedindo
que lhe entregassem a Murashige. Fizesse o que fizesse, muita gente
podia morrer.
O
jovem samurai raspou a cabeça, se vestiu de monge budista –
rituais para expressar humildade e pacifismo - e se entregou como
refém a Nobunaga, evitando assim o derramamento de sangue. Nobunaga
se impressionou com a atitude do jovem e o premiou com sua confiança
e com vários títulos.
Três
anos depois Nobunaga foi assassinado e os Takayama apoiaram seu
general e herdeiro, Hideyoshi, de grande coragem em combate.
Hideyoshi premiou a Ukon com o feudo de Akashi, onde em pouco tempo
2.000 pessoas se converteram ao cristianismo, a fé de seu novo
Daimiô.
Um Congregado mariano de katana5
Haviam
comunidades leigas nas igrejas que os jesuítas fundaram nas cidades
japonesas, como Quioto, Sakai e Osaka. E, como não poderia deixar de
ser, haviam Congregações Marianas (sodalitium) ou
quase-Congregações (quasi-sodalitium). Como se sabe, os jesuítas
usavam as Congregações Marianas para formação de líderes leigos.
Justo
Ukon Takayama foi um desses líderes leigos, mais precisamente na
localidade de Kaga, nos arredores de Quioto. Na História das
Congregações Marianas do pe. Villaret há a menção das
Congregações Marianas de Samurais, pois é tradicional a criação
de grupos homogêneos de acordo com a classe social e, no Japão
feudal, necessário. Certamente Takayama era o Presidente de uma
Congregação para Samurais, devido à sua posição de honra e vida
exemplar, conforme o relatório do jesuíta Fróes em 1592.
A perseguição religiosa
Mas
em 1587, quando o samurai tinha 35 anos, a tolerância para com o
cristianismo chegou ao fim. O Xogun Hideyoshi, vitorioso dos
conflitos internos, emergiu como o Ministro dos negócios
estrangeiros do Japão.
Hideyoshi
não só queria um Japão unido, mas absolutamente dominado sob seu
poder. Então, quando uma nobre jovem cristã se negou a ser uma de
suas concubinas, devido a sua Fé, isso o enraiveceu muito,
aumentando seu ódio pelo Cristianismo.
Por
essas mesmas datas, um comerciante português cujo barco havia sido
preso pelos japoneses falou com palavras arrogantes a Hideyoshi,
assegurando que a frota de guerra portuguesa algum dia chegaria ao
Japão, o que acabou de enfurecê-lo.
Portanto
começou uma perseguição contra os cristãos, expulsando os
missionários e forçando os católicos japoneses a abandonar a fé.
Em 1597, o Chanceler ordenou a execução de 26 estrangeiros e
japoneses católica que foram crucificados em 5 de fevereiro. Por um
tempo, nobres como Takayama, podiam atrasar ou evitar pressões e
proteger seus vassalos cristãos.
O
novo senhor das ilhas não queria resistência alguma, ordenou a
expulsão dos missionários e de todos os estrangeiros e pressionou
os senhores japoneses para que renunciassem à fé cristã. Alguns
nobres, como Ukon Takayama, podiam se manobrar, mais ou menos, para
demorar ou esquivar das pressões e proteger seus vassalos cristãos.
Porém
menos de 30 anos depois, em 1614, o novo Xogun Ieyasu Tokugawa lançou
a proibição total do cristianismo. Aos cristãos se pedia para
pisotear ou cuspir num crucifixo como sinal de seu abandono da fé.
Muitos Daimiô para não perderem suas terras renunciaram ao
catolicismo, por outro lado Takayama e seu pai decidiram abandonar as
suas terras e honras. Como Takayama não quis lutar contra outros
cristãos, optaram para uma vida pobre, pois o samurai que não
obedecia a seu Senhor perdia tudo: propriedades, honra e emprego.
Ukon,
já com mais de 60 anos, tinha desafiado o Xogun: "não vou
lutar com armas ou espadas, eu vou ter paciência e fé, em
conformidade com os ensinamentos de meu senhor e Salvador, Jesus
Cristo".
Muitos
tentaram convencê-lo a renunciar a Fé, mas ele se recusou a deixar
a Igreja e persistiu em sua decisão de viver como um cristão até a
morte.
O exílio
Em
1614, aos 62 anos, Takayama foi para o exílio liderando um grupo de
300 católicos japoneses que partiu para as Filipinas, território
então espanhol e estabeleceu-se na capital Manila.
Nesse
ano 3 barcos deixaram o Japão com cristãos japoneses. Dois foram
para a portuguesa Macau. “Deus disse que quem pega a espada se
arruína com ela. Formai famílias nas Filipinas e regressai ao Japão
como enviados para a paz”, disse o Daimiô no porto de Nagasaki ao
seu povo que se exilava com ele.
Sua
esperança era que aqueles cristãos voltassem ao Japão, mais
numerosos, como uma ponte entre culturas. Já não pensava em
exércitos, mas em algo mais poderoso, que vive de geração em
geração: pensava nas famílias. Aqueles exilados japoneses se
fundiram com a população católica filipina rapidamente.
Outro
navio, em que viajavam Ukon Takayama, sua esposa, filha e netos, e
uns 100 leigos japoneses, foram para Manila. Em Manila foi recebido
por uma multidão de curiosos e os espanhóis o trataram com todo
respeito. Inclusive se falou de preparar uma expedição militar
espanhola ao Japão sob seu comando ou conselho, porém ele se negou.
Morreu
em 1615 aos 4 de fevereiro, de uma enfermidade, 10 meses depois. Ele
recebeu um funeral espanhol com honras militares.
Em
um quadrado de Manila fica uma escultura que se assemelha a Ukon
Takayama, "samurai de Deus", com a Cruz nas mãos dele. Em
uma praça de Manila se levantou uma escultura que recorda a Ukon
Takayama, o “samurai de Deus”, com a cruz em suas mãos.
No
Japão os católicos celebram peregrinações aos lugares em que
viveu, lutou e rezou são locais de peregrinação para os católicos.
Como sucedeu com Cristo e costuma suceder com os santos cristãos,
suas maiores vitórias as colherás depois de morto.
Beatificação
Os
bispos japoneses enviaram à Roma o relatório de 400 páginas que
apresenta a figura do samurai e Daimiô Takayama Ukon, batizado aos
12 anos, fiel servidor dos Xogun Obunaga e Hideyoshi, que unificaram
o Japão, e exilado aos 62 anos com outros 300 cristãos nas
Filipinas, durante a perseguição de Tokugawa.
A
Igreja japonesa quer vê-lo beatificado em 2015, quando se completa
400 anos de sua morte nas Filipinas.
Seria
um caso muito especial: há muitos santos japoneses (42 santos e 393
beatos, incluindo missionários europeus), mas são todos mártires
que morreram em grupos em diferentes perseguições. Takayama Ukon é
diferente porque é um leigo, um político, um militar, que chegaria
aos altares pela via de suas virtudes heroicas, não do martírio.
Segundo
o arcebispo de Osaka, Leo Jun Ikenaga, em 2012 escreveu a Bento XVI
apresentando esta causa de canonização e assegura que no Vaticano
lhe prometeram uma “consideração especial”.
Para
o postulador da causa, o padre Kawamura, este Daimiô pode ser um
modelo para os políticos atuais, porque viveu em um ambiente hostil,
de mudanças políticas constantes, mas “nunca se deixou extraviar
pelos que o rodeavam e viveu uma vida segundo sua consciência, de
forma persistente, uma vida adequada para um santo, que segue dando
exemplo para muitos hoje”.
Um exemplo ainda atual
O
Congregado mariano de katana serve de exemplo para os políticos
atuais, assim como outros Congregados tais como presidente García
Moreno, do Equador, e Fernando II, arqui-duque da Áustria.
Como
disse6
o papa Francisco, “é próprio da liderança escolher a mais
justa entre as opções, após tê-las considerado, partindo da
própria responsabilidade e do interesse pelo bem comum; por esta
estrada, chega-se ao centro dos males da sociedade, para vencê-los
com a ousadia de ações corajosas e livres.” Takayama foi esse
líder que foi responsável em escolher o melhor caminho para o povo
japonês e teve a coragem de fazê-lo.
estátua de Takayama em Manila, Filipinas |
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1-
Daimiô (大名, ) é um
termo genérico que se refere a um poderoso senhor de terras no
Japão feudal, que governava a maior parte do país a partir de suas
imensas propriedades de terra hereditárias. Foram os mais poderosos
senhores de terras do período que foi do século X a meados do
século XIX na história do Japão, depois dos xogum. O termo
"daimiô" por vezes é usado para se referir às
principais figuras dos clãs japoneses, também chamados de
"Senhores". Era a partir destes senhores de guerra que um
Xogum ou um Shikken (regente) era escolhido.
2-
O termo shōgun (将軍?
lit. "Comandante do exército"), em português xogum,
era título e distinção militar usado no Japão feudal, concedido
diretamente pelo Imperador. É abreviação de Seii Taishōgun
(征夷大将軍? lit.
"Grande General Apaziguador dos Bárbaros"), nomeação
utilizada para se referir ao general que comandava o exército
enviado a combater os emishi, que habitavam no norte do país.
3-
(隠れキリシタン,
"cristão escondido").
4-
O Xogunato era um regime feudal existente no Japão até à idade
moderna. Semelhante ao feudalismo, porém com características
orientais. Além de proprietário rural, o xogum também era um
chefe militar. Devia obediência ao imperador, porém os seus
comandados deviam obediência somente ao xogum.
5-
espada japonesa, privilégio dos Samurais.
6-
papa Francisco em Discurso aos Dirigentes do Brasil por ocasião da
Visita Apostólica do Santo Padre na 28ª Jornada Mundial da
Juventude. Teatro Municipal, Rio de Janeiro, 27 de Julho de 2013.