O Mendigo do Vaticano
Alexandre
Martins, cm.
Borgo
é o nome de um dos bairros da parte externa do Vaticano. Fica ao
norte da Praça de São Pedro. Um bairro aprazível, residência de
bispos, religiosas, cardeais e também dos romanos, os habitantes de
Roma. Mas, como infelizmente todas as grandes cidades do Mundo, em
Roma há também muitos moradores de rua, os mendigos.
Havia
um mendigo famoso, conhecido por todos, chamado William Herteleer, o
popular Willy.
Willy
era assíduo na Santa Missa: participava piedosamente todos os dias,
sem falta. Andava até a Igreja de Santana, dentro dos muros do
Vaticano, e assistia a Missa na Paróquia Pontifícia. Depois da
Missa, dizia ao Pe. Amerigo: “Obrigado por sua homilia pronunciada
com tanta calma. Consegui entende-la bem e me ajudou a meditar ao
longo do dia”. O sacerdote foi um dos seus amigos do Clero.
Quem
o via parecia um verdadeiro monge, com a cruz pendurada ao pescoço.
Mas um monge que carregava um carrinho de supermercado. Nele estavam
seus poucos pertences. Era asseado - para um mendigo - usando de um
hospital nas proximidades para se banhar e fazer necessidades.
Sua
aparência limpa era por força de seu “trabalho” de evangelizar
nas ruas de Roma. Depois da Missa da manhã, dedicava horas e horas
de seu dia a conversar com os romanos e os milhares de turistas que
sempre, em todas as épocas do ano, visitam a Cidade Eterna. “Quando
foi a sua última confissão?” perguntava para todos aqueles que
encontrava. “Você vai comungar? Vai à Missa?”. Eram as
perguntas também para seus companheiros de rua, seus colegas de
calçada, colegas de sua opção de vida.
Por
um tempo viveu em um abrigo. “Sim, é bonito, acolhedor e limpo.
Sim, comemos bem e as pessoas são boas, mas necessito liberdade. Amo
a liberdade!”, dizia. Willy preferia os seus amigos e a liberdade
das ruas. Seus amigos mais próximos eram um sacerdote italiano, uma
religiosa norte-americana e um jornalista alemão. Um bispo que lhe
dava laranjas, os jornalistas lhe tiravam fotos.
Em
dezembro de 2014, no hospital que usava para se banhar, Willy ficou
assistido por seus amigos próximos. De Comunhão Eucarística
diária, afirmava: “O meu remédio é a Comunhão”. Ele pouco ia
às consultas médicas. Em 12 de dezembro de 2014, Festa de Nossa
Senhora de Guadalupe, o Papa Francisco estava celebrando a Missa na
Basílica de São Pedro pela padroeira da América e Willy faleceu
aos 80 anos de idade.
Seus
amigos não o viram durante essa semana na Missa matutina, e
começaram a procurá-lo. Um deles, o alemão Paul Badde, havia sido
admitidos na Confraria de Nossa Senhora das Dores do Cemitério
Teutônico1
dentro do Vaticano. Ele propôs que Willy fosse sepultado alí, entre
os confrades de língua alemã.
Seus
amigos organizaram tudo, desde as difíceis permissões da Itália e
Bélgica, sua terra natal. Fizeram contato até com a sua família,
seus quatro filhos que não o viam há décadas.
Monsenhor
Ciani concelebrou a Missa com o reitor do Cemitério Teutônico, Pe.
Hans-Peter Fischer. Só alguns amigos assistiram. “Willy vivia
sozinho, mas não se sentia sozinho” - disse o Monsenhor Ciani na
homilia da Missa de Exéquias - “A presença de Deus era forte e
viva dentro dele. Rezava e rezava. Rezava pela conversão de todos,
inclusive para que os estrangeiros se arrependam”. A “vida
marginal” de Willy era uma vida de liberdade e de preocupação com
a verdadeira liberdade de seu próximo, a liberdade dos filhos de
Deus.
Assim
como o mendigo Lázaro que deixou o chão da mesa do rico epulão
para o seio de Abraão, o mendigo Willy foi das ruas da Terra para as
moradas eternas do Senhor, sendo seu corpo sepultado junto aos
alemães no terreno santo que lhes é dedicado no Vaticano. E foi
apenas isso que o Mundo observou: um mendigo sendo sepultado junto ao
túmulo de São Pedro.
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1-
O Campo Santo Teutônico é um jardim no interior do Vaticano, obra
de Carlos Magno em 799 para servir de lugar de repouso dos restos
mortais dos católicos de língua alemã. A Confraria do Cemitério
Teutônico mandou construir a atual igreja em 1500 e cuida de todos
os ofícios religiosos.