O Lobo Solitário
Alexandre Martins,
cm.
Há
bons católicos que, por não encontrarem algum grupo aonde se sintam
à vontade, trilham um caminho solitário e sem nenhuma forma de
atitude comunitária.
Em
geral são jovens inteligentes. Ou, que tem uma inteligencia ou
esperteza acima da média dos jovens do seu bairro ou paróquia dos
arredores. Devido à isso, se sentem como “um peixe fora d'água”,
como um lobo fora da matilha. A decorrência natural é que procurem
um grupo “à sua altura” ou, se forem sinceros, acima de sua
capacidade.
Alguns
se tornam então “caçadores de experiências” e todos os famosos
grupos têm sua “visita questionadeira”, como se esses jovens
fossem inquisidores ou fiscais do Vaticano. Mas, ao invés de
condenar ou reclamar dos grupos ao Bispo, esses jovens apenas os
consideram inaptos à sua própria sede de “algo maior” e os
abandonam. Esse abandono reflete mais uma soberba do que resistência
ao carisma: “alguns não andam diante de Mim com simplicidade,
mas, curiosos ou arrogantes, pretendem saber meus segredos... estes,
pos sua soberba e curiosidade, não raro caem em grandes tentações
e pecados, porque Me afasto deles”.1
Depois
de um sem-número de tentativas e experiências mais ou menos
frustrantes, optam por se tornarem independentes. Alerta o pe.
Meschler, SJ: “o alimento em demasia sobrecarrega o estômago; o
demasiado saber envaidece o espírito. Não pode haver estudo nem
saber autônomos. Aprendamos primeiramente o necessário, depois o
útil e finalmente o agradável.” 2
A
Internet atual favorece essa postura, pois a formação religiosa que
antes era conseguida em palestras e aconselhamento espiritual nos
movimentos e associações eclesiais agora é obtida com uma visita a
um sítio de catequese ou a um vídeo do pe. Paulo Ricardo. Com isso,
depois de alguns dias (ou noites ) lendo e relendo artigos de grandes
escritores católicos e resenhas de livros clássicos esses jovens
possuem um título autoimposto de “apologeta cristão”.
Se
essas pessoas são estudiosos a ponto de, com pouca idade, já
obterem um mestrado em alguma área acadêmica, mais os qualifica a
terem o gosto e paciência necessários para o estudo. A diferença
entre uma universidade e a catequese paroquial - ou a apologética
digital – é que na catequese quase não há um antagonista à
altura. São como professores de História em uma escola de subúrbio:
os alunos tem pouca leitura do assunto e quase nenhuma predisposição
a um debate, ocasionalmente proporciona uma postura de “iluminado”
ao professor que vocifera opiniões pessoais como se fossem
verdadeira doutrina.
Nos
alerta s. Josemaria Escrivá que “a luta contra a soberba deve
ser constante, porque, como já se disse graficamente, essa paixão
morre um dia depois de a pessoa morrer. É a altivez do fariseu, a
quem Deus reluta em justificar por encontrar nele uma barreira de
auto-suficiência. É a arrogância que leva a desprezar os demais
homens, a dominá-los, a maltratá-los: porque onde houver soberba,
aí haverá também ofensa e desonra.” 3
Tal
atitude não só impede que os corações ementes se elevem da
simples intelectualidade mas, pior, transforma os que estudam em
pessoa restritamente intelectuais e legalistas.
São
Inácio de Loyola em apenas uma frase dá a direção correta: “Não
é o muito saber que sacia e satisfaz a alma, mas sentir e saborear
internamente todas as coisas” .4
De
nada adianta o grande conhecimento – seja Escritura, patrística ou
outros – sem uma vida de piedade sincera e pura. Por isso vemos
tantos jovens arrogantes, prepotentes, os “corretores do Papa”
como são chamados jocosamente por aqueles que acham deprimente suas
atitudes. “As maneiras arrogantes, os ares de jactância é que
mais das vezes contribuem para a infecundidade das obras.”5
O que fazer se estamos neste caminho?
Procurar
uma vida de oração, piedade e caridade à altura ao menos do
conhecimento adquirido. Assim perceberemos que tudo o que possamos
aprender, comparada à magnitude de Deus é “como palha”, no
dizer de s. Tomás de Aquino6.
Exerceremos então nossa humildade, o nosso conhecimento do lugar que
realmente ocupamos na Igreja e no Mundo.
“Os
verdadeiros operários apostólicos confiam muito mais nos seus
próprios sacrifícios e nas suas orações do que no exercício da
sua própria atividade”, nos
ensina o Abade Chautard.7
O
Papa congregado mariano, são Pio X, admoesta que “sem a
vida interior hão de faltar as forças para aguentar com
perseverança os aborrecimentos que qualquer apostolado acarreta, a
frieza e o escasso concurso dos próprios homens de bem, as calúnias
dos adversários, e às vezes até os ciúmes dos amigos, dos
companheiros de armas...Só uma virtude paciente, fortalecida no bem
e ao mesmo tempo suave e delicada é capaz de remover ou diminuir
essas dificuldades”.8
O que fazer com outros “lobos solitários”?
Entender
que, se forem pessoas sinceras e retas de intenção, podem não ter
o caráter associativo, serem pessoas reclusas por sua própria
personalidade e não porque uma associação não esteja “à sua
altura”. Grandes intelectuais foram Congregados marianos, como o
professor Anísio Teixeira, o poeta Mário de Andrade... Se esses
jovens não tiverem essa vocação para estar em grupo, de nada
adianta. Outro Congregado mariano, o papa Bento XVI nos lembra “uma
característica dos santos: cultivam a amizade, porque ela é uma das
manifestações mais nobres do coração humano, e contém em si algo
de divino, , como o próprio Tomás explicou em algumas quaestiones
da Summa Theologiae,
onde escreve: "A caridade é principalmente a amizade do homem
com Deus, e com os seres que Lhe pertencem" (II, q. 23, a.1).9
Rezemos
por esses solitários e sempre os questionemos quando, em sua louca
vaidade, questionarem até o Sagrado Magistério. Os heresiarcas
começaram assim e espalharam seus erros muitas vezes por não haver
quem os criticassem dentro da Igreja.
Aos
sinceros, mostremos que todos nós, intelectuais ou não, somos
Igreja.
***
1-
Jesus a alma devota, in “Imitação de Cristo”, Tomás de
Kempis, livro III, capítulo 4.
2-
in “A Vida Espiritual reduzida a Três Princípios”, ed. Vozes,
Petrópolis, RJ, 1950, pág. 88
3-
in “É Cristo que passa”, ed. Quadrante, Sâo Paulo, SP, 1977,
pág. 7
4-
da Anotação 2 dos Exercícios aplicada aos salmos.
5-
Jean Baptiste Chautard, in “A Alma de Todo Apostolado”, pág. 94
6-
“Em Dezembro de 1273 ele chamou o seu amigo e secretário
Reginaldo para lhe comunicar a decisão de interromper todos os
trabalhos porque, durante a celebração da Missa, tinha
compreendido, a seguir a uma revelação sobrenatural, que tudo
aquilo que tinha escrito até então era apenas "um monte de
palha". É um episódio misterioso, que nos ajuda a compreender
não só a humildade pessoal de Tomás, mas também o facto de que
tudo o que conseguimos pensar e dizer sobre a fé, por mais elevado
e puro que seja, é infinitamente ultrapassado pela grandeza e pela
beleza de Deus, que nos será revelada plenamente no Paraíso. “
(Bento XVI)
7-
Jean Baptiste Chautard, in “A Alma de Todo Apostolado”, pág. 82
8-
Alocução aos Bispos italianos em 11 de junho de 1905)
9-
in Audiência Geral na
Praça de São Pedro, Roma, 2 de Junho de 2010.