O “Treinador” de Irmã Dulce
Alexandre Martins, cm.
Alemão, franciscano, audacioso e idealista. Assim era Franz
Kruthaup, o Congregado mariano que iniciou o COB junto com Irmã
Dulce, o “treinamento” para as futuras Obras Sociais da Santa
baiana da Caridade. Disse Ciro Brigham, seu biógrafo: “usou a
criatividade para erguer uma rede de atendimento social
auto-sustentável em Salvador; aliou tino administrativo e ideal
humanista em importantes obras sociais. Altivo, investiu esforços
nas ações sustentadas pelo seu ideal humanitário”.
Formação e Missão
Franz (Francisco) Kruthaup nasceu em 4 de maio de 1902, em
Borringhausen bei Damme, Olderburgo, diocese de Munster, Alemanha.
Era filho de Augusto Kruthaup e Agnes Meyer.
Entrou na Ordem Franciscana, ou melhor, tomou o hábito seráfico, a
23 de abril de 1923, fazendo os votos temporários no ano seguinte, a
18 de maio.
Estudou no Colégio Seráfico de São Luiz, na Holanda. Em 23 de
fevereiro de 1923 recebeu o hábito da Ordem Franciscana, ingressando
no noviciado de Warendorf.
Exercer a tarefa religiosa como missionário no Brasil foi a sua
escolha.
Desembarcou no Recife em 1924 e foi enviado para o Convento
Franciscano de Olinda, onde completou os dias que faltavam do
noviciado. Em Salvador, Franz cursou filosofia e teologia durante
cinco anos até ser ordenado sacerdote, em 21 de maio de 1929,
recebendo o nome de Frei Hildebrando Kruthaup.
Baiano e Congregado
Mais de 50 dos seus 62 anos de intensa atuação religiosa foram
vividos em Salvador.
Numa cidade marcada pela extrema pobreza e profundas desigualdades
sociais, Frei Hildebrando enveredou pelos caminhos da assistência
social e criou estruturas de apoio aos trabalhadores, por meio da
União Operária de São Francisco (UOSF), que mais tarde se
transformou no Círculo Operário da Bahia (COB) e das Obras Sociais
Franciscanas.
Em 1949, como era franciscano, naturalmente dirigiu a Ordem Terceira
de São Francisco e também foi assistente eclesiástico do Círculo
do Convento Franciscano, em Fortaleza, no Ceará.
Na esteira da popularidade da “Rerum Novarum”1
foi o diretor espiritual da famosa Congregação Mariana de São
Luiz, levando seus Congregados marianos a agirem no Apostolado Social
e contribuiu na construção da Casa de Santo Antônio junto com Irmã
Dulce. Construiu os cinemas Roma e Pasc e a reforma do cinema São
Jerônimo (depois Cine Excelsior, por muitos anos mantido pela
Congregação Mariana).
Criou também a Rádio Excelsior aonde tinha o programa radiofônico
semanal pela Rádio Excelsior da Bahia.
Construiu escolas em bairros periféricos com a ajuda financeira do
Governo Alemão que, à época, tinha os subsídios norte-americanos
do Plano Marshall.
Uma perua equipada foi transformada em carro-capela para as Missas
nas comunidades periféricas da capital baiana, onde não tinha
capela.
Foi o fundador da Casa de Retiro São Francisco, construída com a
ajuda de várias famílias da sociedade baiana. A Casa de Retiro,
residência das irmãs franciscanas hospitaleiras, funcionou durante
várias anos como casa de retiro, como casa de hospedagem para o
turismo religioso, e sede de eventos culturais, além de prestar
assistência médica e odontológica gratuita e cursos de capacitação
profissional para carentes.
Irmã Dulce
Criou, com Irmã Dulce, a União Operária de São Francisco, mais
tarde transformada em Círculo Operário da Bahia (COB). Irmã Dulce
desde menina se encontrou com frei Hildebrando, a quem escolhera como
seu orientador e confessor. Foi o encontro do coração (Irmã Dulce)
com o cérebro (Frei Hildebrando) que fizeram o COB.
Quando Irmã Dulce celebrou o jubileu de vida religiosa (1983), Frei
Hildebrando afirmou publicamente: “Tu acreditas plenamente
naquilo que Cristo um dia proclamou solenemente, em tom categórico:
que Ele se esconde no próximo necessitado!”
Frei Hildebrando, pelo fato de ser alemão, teve de afastar-se do
cargo de Assistente eclesiástico do Círculo Operário por sugestão
(ou ordem) do Arcebispo, Dom Augusto Álvaro da Silva. Tempos de
xenofobia e comunismo que renderam perseguições até do escritor
Jorge Amado:”A verdade é que os frades são nazistas e o tal
Frei Hidelbrando mantém uma enorme catequese fascista entre os
operários. Sua ação nesse sentido é a mais nefasta possível”.2
Recife
Recife foi a casa de Frei Hildebrando de 1955 a 1957.
Sua principal atividade era visitar os doentes nos diversos pavilhões
do Hospital Oswaldo Cruz, que recebia portadores de doenças
contagiosas.
Nessa época aprendeu a hipnotizar: a idéia era demonstrar o poder
da sugestão hipnótica para desmistificar as curas do espiritismo,
uma religião que se espalhava pela cidade.
No Ceará
Nomeado guardião do Convento de Fortaleza pelo Capítulo Provincial
Franciscano, teve que mudar para a capital do Ceará.
Além de seguir com as demonstrações de hipnose em Fortaleza, Frei
Hildebrando deu vazão a algumas realizações assistenciais:
instalou escola de corte e costura, ambulatório e escola de
artesanato, tudo bancado com a renda de um pequeno cinema e da sua
notória capacidade de angariar doações de pessoas mais abonadas,
às quais prestava zeloso socorro espiritual.
Também duplicou a igreja e construiu, ao lado, a Casa de Santo
Antônio para as reuniões das associações, mesmo tendo passado
poucos anos no Convento de Nossa Sra. das Dores. Em 1961 retornou a
Salvador.
Agora, brasileiro
Recebeu a Cruz do Mérito do Governo Alemão, em 1968, por relevantes
serviços prestados no Brasil.
Frei Hildebrando se fez brasileiro com os brasileiros, missionário,
à busca de elevação da dignidade humana do povo brasileiro, mais
precisamente do povo baiano.
O resultado lógico foi o Título de Cidadão Brasileiro, quando
completou seu jubileu de prata sacerdotal, concedido pelo presidente
General Eurico Gaspar Dutra em 4 de maio de 1949. Sobre isso,
proclamava então pelo microfone da Rádio Excélsior da Bahia,
Fernando Pedreira, que “o Bem com o Bem se paga”,
explicando que a Terra-mãe da civilização brasileira, estava
retribuindo, com um gesto de gratidão, a quem legou “à terra
em que vive há 25 anos as melhores, as mais sadias e as mais
perfeitas das realizações que são como monumentos a atestarem a
colaboração particular pelo progresso de um Estado num dos mais
destacados setores como o de assistência social”.3
Em 1974, Hildebrando Kruthaup recebeu o Título de Cidadão Baiano
pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, tendo visto uma praça
ser inaugurada em Salvador com o seu nome, em comemoração ao
jubileu de ouro da sua chegada ao Brasil.
Uma morte simples
Poucas semanas antes de morrer, confessou ele o desejo de não ter
uma doença que o fizesse dar trabalho aos outros.
Sua despedida terrena, em 11 de janeiro de 1986, foi exatamente do
jeito que pediu: tão súbita que a todos surpreendeu. Hildebrando
Kruthaup “não deu trabalho ao morrer, apesar de ter vivido em
função dele”.
“É preciso saber caminhar por entre espinhos e rosas, por entre
lágrimas e sorrisos... Sorrindo por entre os espinhos e chorando por
entre rosas, isso também torna razoável a nossa vida. Chorando ou
sorrindo – é preciso olhar para as rosas mais do que para os
espinhos... Alguém que se deixou dominar pelo pessimismo, por certo,
não sabe ver rosas entre os espinhos”, 4
***
1-
Rerum Novarum: sobre a condição dos operários (em
português, "Das Coisas Novas") é uma encíclica escrita
pelo Papa Leão XIII em 15 de maio de 1891.
2-
Jorge Amado in “Bahia de Todos os Santos”, Salvador, 1945. -
Cf. ed. 1961, Salvador, pág 200. É de notar que nas edições, a
partir de 1976, Jorge Amado não mais publicou essa passagem.
3-
Lembrança da Homenagem da Bahia a Frei Hildebrando Kruthaup,
Salvador, 1949, pág. 25
4-
Frei Hildebrando Kruthaup: “Aos que sofrem”, Salvador, 1999,
págs. 9-10).