Anchieta e as Congregações do Brasil


Alexandre Martins, cm.


Para glorificar as Congregações Marianas é comum que historiadores indiquem personalidades da História que foram em algum momento de suas vidas devotos Congregados marianos. E, com os santos canonizados pela Igreja, não seria diferente.

Muitas são as hagiografias que mencionam claramente a participação do religioso em alguma Congregação Mariana, como é o caso de são Luiz Grignion de Montfort; e outras que somente com alguma pesquisa, como são João Paulo II.

Frequentemente me perguntam sobre quais as personalidades históricas passaram pelas Congregações Marianas e, claro, quais Santos eram Congregados marianos. Há muita especulação e cabe uma pesquisa para que a informação dada seja a informação correta.

Por exemplo, alguns afirmam que o padre José de Anchieta, nomeado Apóstolo do Brasil1 pelo papa Francisco, foi o fundador da primeira Congregação Mariana no Brasil e até fundador de mais de uma.

Para conhecermos melhor sobre a luminosa vida apostólica de são José de Anchieta, devemos ao menos pesquisar duas obras: “Vida do Padre José de Anchieta”, do padre Simão de Vasconcelos2; e “Anchieta, o Apóstolo do Brasil”, de Joaquim Tomás.3


Resumo da carreira apostólica de Anchieta


Enviado pelo próprio Santo Inácio de Loyola, vindo de Portugal, José de Anchieta desembarcou em Salvador aos 13 de Julho de 1553, com vinte anos de idade incompletos, com outros seis companheiros, vindo na Armada do segundo governador-geral do Brasil, Dom Duarte da Costa. Seu superior era o padre Luís da Grã.

Depois de três meses, partiu para a Capitania de São Vicente, atual Rio de Janeiro.

Anchieta foi ordenado aos 32 anos de idade, em 1566. Sacerdote, dirigiu o Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro por três anos, de 1570 a 1573. Em 1569, fundou a povoação de Reritiba (ou Iriritiba), atual cidade de Anchieta, no estado do Espírito Santo. A cidade de Anchieta abriga o Santuário Nacional dedicado ao santo, um local de peregrinação e devoção.

Em 1577, foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil, função que exerceu por dez anos, sendo substituído em 1587 a seu próprio pedido.4 Em 1586 Anchieta foi designado para o Rio de Janeiro, devido a sua doença.

Mas teve ainda de dirigir o Colégio dos Jesuítas em Vitória, no Espírito Santo. Em 1595, obteve dispensa dessas funções e conseguiu retirar-se definitivamente para Reritiba onde veio a falecer, sendo sepultado em Vitória, atual capital do estado.


Congregado mariano em Portugal?


São José de Anchieta, nasceu na ilha de Tenerife, arquipélago das Canárias, aos 19 de março de 1534, batizado em 7 abril na atual Catedral de San Cristóbal de La Laguna. Era aparentado dos Loyola, daí o parentesco de Anchieta com o fundador da Companhia de Jesus, Inácio de Loyola. Em 1548, Anchieta se mudou para Coimbra, Portugal, a fim de estudar filosofia num anexo à Universidade de Coimbra.

As primeiras Congregações Marianas de Portugal5 datam depois da viagem de Anchieta ao Brasil, cerca de 1573.


Fundador da primeira Congregação Mariana no Brasil?


A primeira Congregação Mariana do Brasil foi fundada em 8 de agosto de 1586, no Colégio Jesuíta6 de Salvador, BA. A cidade era então a capital da colônia.

Não há registros confiáveis de que José de Anchieta tenha sido o fundador ou mesmo tenha trabalhado em prol das Congregações Marianas efetivamente.

Como Provincial jesuíta (1577-1587) o que podemos presumir é seu placet em Confrarias marianas que existiam no Brasil há anos:

Já em 1581 fizeram-se e aprovaram-se os Estatutos de uma Confraria ou Congregação de N. S. do Rosário. Em 1584 o Visitador, por intermédio do Procurador em Roma, Pe. Antonio Gomes, SJ., pede os Estatutos da dita Confraria que destinava aos estudantes. Neste mesmo ano já se contavam diversas Confrarias de Nossa Senhora nas aldeias da Bahia. E ordenou o Pe. Visitador7, em 1586, que nos engenhos e fazendas, em todo o Brasil, se instituísse para os índios e negros a Confraria do Rosário, com a finalidade de promover a piedade e a instrução religiosa.”8


O que, pelas Cartas e Obras existentes podemos observar é que o padre José de Anchieta foi substituído9 no Colégio de Salvador em outubro de 1585 pelo padre Marçal Beliarte, SJ, que ficou no cargo de 1586 até 1573.

Talvez seja o padre Marçal Beliarte o fundador da primeira Congregação Mariana do Brasil.


Fundador da Congregação Mariana do Colégio Jesuíta no Rio de Janeiro?


Em 1586 Anchieta foi designado para a Capitania de São Vicente (futuro Rio de Janeiro) devido a sua doença.10

A Companhia de Jesus na Capitania localizava-se na época no Morro Cara de Cão, no arraial fundado em 1565 por Estácio de Sá. Depois de algum tempo, foi transferido ao Morro do Castelo. No novo arraial de São Sebastião do Rio de Janeiro, o Padre Manuel da Nóbrega funda o Colégio dos Jesuítas, a “escola” da Companhia de Jesus em 1567 - o Real Colégio de Jesus do Rio de Janeiro - no Morro do Castelo, voltado sobretudo para a catequese dos índios nativos.

A primeira Congregação Mariana ereta no Rio de Janeiro, precisamente no Colégio jesuíta, data de antes de 158811. Há documentos exparsos (uma Ânua12 desse ano) e poucas citações. Mas nenhum documento preciso sobre a ação de Anchieta nesse caso ou mesmo de sua participação nela. Logo ele, tão devoto13 à Virgem Maria...


Conclusão


Não há nada que afirme que são José de Anchieta, tão devoto mariano, se preocupasse com as Congregações Marianas, obra de seu tempo e que chegou em nossas terras quando ele aqui ocupava-se em sua extraordinária obra de apostolado e evangelização de todos os que habitavam a Colônia, fossem portugueses ou indígenas.

Pelo estudado até agora, Anchieta não era um Congregado mariano... E isso em nada diminui sua operosidade milagreira, sua contribuição para a Cultura Nacional e na consolidação do Brasil.

São José de Anchieta, rogai por nós.



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1Papa Francisco, Santa Missa pela Canonização de José de Anchieta, 24/4/2024.

2 Vasconcelos, Simão de (1597-1671) Vida do venerável padre Joseph de Anchieta da Companhia de Iesv, Thavmatvrgo do Nouo Mundo, na Prouincia do Brasil, Lisboa : Officina de Ioam da Costa, 1672 – Domínio Público.

3Tomás, Joaquim. Anchieta: O apóstolo do Brasil. Dois Irmãos, RS. reedição: Minha Biblioteca Católica, 2020.

4-Colégio dos Jesuítas : 465 anos de história,  Lemos, Ubirajara Dantas. Visita em https://repositorio.ufba.br/handle/ri/35310

5Villaret, Émile, SJ; in “A Congregação Mariana”. Editora ABC, Rio de Janeiro, 1936. página 12

6O Collegio do Salvador da Bahia (Colégio dos Meninos de Jesus) foi fundado pelo padre Manoel da Nóbrega em 1553.

7Padre Francisco Dias, SJ.

8Maia, Antonio; in “Breve História das CCMM”, Coleção Estrela do Mar, Rio de Janeiro, 1957, pág. 62

9 Vasconcelos, Simão de (1597-1671) Vida do venerável padre Joseph de Anchieta da Companhia de Iesv, Pág 292

10José de Anchieta e Hélio Abranches Viotti (1984). Cartas: correspondência ativa e passiva. Pág. 14: "Noviço da Companhia de Jesus, desde 1/5/1551, adoeceu após alguns meses gravemente, interrompendo o curso de filosofia (...) Tuberculose óssea seria a causa da escoliose, que lhe dobrou a espinha, deformando-lhe as costas (...) como último recurso, lhe aconselharam a mudança para o Brasil (...) aportando a Salvador, aos 13/7/1553. Pouco se demorou na Bahia, viajando (...) para a Capitania de São Vicente, onde se encontrava o então vice-provincial, Padre Manuel da Nóbrega. Doze anos seguidos iria passar nessa capitania,...". [S.l.]: Edições Loyola. pp. (Digitalização parcial por Google livros) 504. ISBN 9788515012954

11A agregação a Roma da primeira CM. do Rio de Janeiro seria pelo ano de 1590. (Maia, A.)

12 "Carta Ânua" era um relatório anual dos trabalhos da Província da Companhia de Jesus, encaminhada ao Superior-Geral da Companhia em Roma.

13Ao escrever o “Poema à Virgem Maria Santíssima”, Anchieta estava sendo mantido refém dos tamoios devido às disputas com os portugueses. Prometeu escrever um poema narrando a vida de Nossa Senhora a fim de que ela lhe ajudasse a conservar sua pureza e castidade em meio aos indígenas. Ao sair do cativeiro, escreveu em papel os mais de 5 mil versos dedicados à Nossa Senhora. Esse poema é uma expressão de sua devoção.

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